“A sociedade ainda não consegue enxergar um corpo preto numa posição de inteligência”, diz a cientista Jaqueline Góes

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“A sociedade ainda não consegue enxergar um corpo preto numa posição de inteligência”, diz a cientista Jaqueline Góes
Foto: Reprodução/Instagram

Jaqueline Góes, biomédica que ajudou a equipe a sequenciar DNA do coronavírus, em apenas 48 horas após o primeiro caso no Brasil, e Nina da Hora, cientista da computação, influenciadora e Forbes Under 30 de 2021 estiveram presentes no evento “A ciência é feminina: trajetórias inspiradoras”, transmitido ao vivo pela Fundação L’Oréal, nesta terça-feira (17).

Durante o evento que o MUNDO NEGRO participou, Jaqueline falou sobre como decidiu que queria ser cientista e as referências femininas na área.

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“Eu não tinha referências na minha infância, então a ciência chegou pra mim muito tarde. Muitas de nós fomos influenciadas cientificamente pelos livros, que até a nossa era majoritariamente masculino: Einstein, Newton, Galileu. E [pelas] séries. Eu sempre gostei muito de séries e filmes de ficção cientifica. Mas a grande maioria deles, sempre trazia homens e mais velhos, mostrando que eles estavam já no máximo da carreira, que já tinha estudado determinado campo há muito tempo. Eu descobri que podia ser cientista quando eu estava na graduação. Eu comecei a ouvir as histórias de mulheres dentro da ciência e consegui perceber que aquilo estava muito próximo de mim, era um ambiente onde eu podia acessar”.

A biomédica, homenageada com uma boneca da Barbie por seu trabalho de pesquisa no ano passado, já havia feito outro trabalho importante, como sequenciar o genoma do vírus da zika e se tornou uma referência de liderança para muitas mulheres, mas até isso acontecer, se cobrava muito.

“Eu senti que eu precisava ser mais responsável, superar os meus colegas pra que eu pudesse ser vista. E isso é uma coisa que o racismo estrutura faz com a gente. A sociedade ainda não consegue enxergar um corpo preto numa posição de inteligência, de habilidade, de destreza”.

Apesar de receber elogios dos professores, ela sabia que não era enxergada naquele lugar como deveria. “Em muitos momentos eu fui confundida como uma funcionária da Friocruz, e não como uma estudante de pós-graduação, não como uma cientista em formação. Então isso acabou me moldando pra que eu me dedicasse muito mais e obviamente essa é uma história de estudante que se repete com muita de nós”.

Com a noção do quanto pode ser prejudicial para a saúde física e mental o tanto que ela trabalhou, como orientadora de mestrandas, ela as ensina a fazer diferente. “Não quero que as minhas alunas produzam esse comportamento”.

Hacker preta

Nina da Hora é cientista da computação e virou referência em segurança digital por combater o racismo algorítmico. Hoje ela é membro do conselho de transparência do TSE para as eleições de 2022 e foi uma das selecionadas da lista Forbes Under 30 do ano passado.

Apesar de vir de uma família de professores, Nina também não teve referências na infância de cientistas e se espelhava nos personagens dos desenhos animados.

“Eu assistia muitos desenhos que parecem que é tudo muito afastado dessa ideia da tecnologia, da computação, mas não é. 3 Espiãs Demais: tinha aquele relógio que era o meu sonho. Laboratório de Dexter: eu queria ficar em um laboratório ficar experimentando coisas. Power Rangers, eu só adorava a parte do Megazord, era a parte que eu entendia. Eu sempre gostei disso, mas as referências chegaram muito tarde. O filme do Pantera Negra, por exemplo, é um marco pra mim porque eu fui com toda a família assistir por causa da Shuri. Eu queria ver como iam representar o laboratório dela.

Quando Nina começou a estudar ciência da computação, sentia que poderia não conseguir seguir na área. “Quando eu cheguei na graduação, eu já cheguei trabalhando. Então eu não tive a experiência da iniciação científica, que era algo que me fazia ficar um pouco receosa”.

A cientista que é de Duque de Caxias, Rio de Janeiro, ia estudar em Petrópolis e fazia estágio em uma escola. Com uma rotina puxada de só conseguir dormir 4 horas por noite, ela ficou doente e o médico pediu para que ela escolhesse trabalhar ou estudar.

Neste momento ela narra o diálogo do atendimento médico: “‘Obviamente eu vou ter que escolher trabalhar porque eu preciso ajudar dentro de casa’. Ele falou ‘minha filha, a educação é o futuro para você'”.

Impaciente em explicar como essa vivência era diferente e decidida a trancar o curso para trabalhar e guardar um dinheiro, Nina conseguiu ser efetivada no trabalho e realizar a transferência para PUC – Rio, mais próximo da sua casa, com uma bolsa de estudos.

Mas o reconhecimento como liderança negra também a deixa aflita e a cientista prefere usar o termo “em construção”, com tudo o que vivenciou e continua aprendendo no dia a dia.

“Na computação a gente tem um tem várias questões não só de violência de gênero e raça, mas também capacitistas, que são assuntos que a gente não faz nada. Quando acontece um caso de racismo, um caso de machismo, ele não é debatido simplesmente. Você vê, [sabe o que aconteceu, a pessoa escolhe sair ou não e às vezes ela sai sem apoio nenhum e nada disso é conversado com os líderes que estão nessas áreas”, explica.

Para Nina, existem muitas lideranças para além do que são vistas na internet. “Eu tive muito apoio coletivo para além da minha família, que é uma coisa muito difícil de você ter em qualquer área sendo mulher negra. Os lugares que eu passei de trabalho, tinha ali um núcleo como a tia Cleide, que trabalhava na cozinha. Só o ato dela separar o almoço, eu conseguir comer, continuar o trabalho, isso é um ato que ajuda você a pensar o que é a liderança”.

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