Os recentes casos em que estudantes tiveram suas matrículas negadas pelas universidades públicas depois que as bancas de heteroidentificação entenderam que eles não exibiam o conjunto de características fenotípicas associadas a pessoas negras para ter direito às cotas raciais, geraram inúmeras críticas a essas comissões e até veículos jornalísticos com histórico racista estão aproveitando a oportunidade desse tipo de notícia para criticar o sistema de cotas, muito bem estabelecido e que já beneficiou milhares de estudantes nos últimos 10 anos. Mas também é preciso apontar o histórico de alunos brancos que há anos tentam se valer das políticas públicas voltadas para pessoas negras para obter vantagens sociais que em um país historicamente racista lhes são conferidas desde que nascem.
Em cenários como este, veículos de grande imprensa são os primeiros a se posicionar críticos às cotas, sem uma análise especializada sobre como as bancas são formadas e sem informar dados que mostram que as bancas de heteroidentificação, na verdade, detém um baixo número de reprovações.
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Um dos casos de alunos reprovados pelas bancas de heteroidentificação que ganhou mais destaque na imprensa é o de Alison Santos Rodrigues, de 18 anos, que foi aprovado em medicina na Universidade de São Paulo dentro das vagas PPI (para pretos, pardos e indígenas), depois de fazer o Provão Paulista, mas teve sua matrícula cancelada quando a banca chegou ao consenso sobre o estudante, afirmando que ele “foi submetido a um procedimento bastante criterioso, com múltiplas conferências, diferentes bancas, sistema cego de double checking, possibilidade de recurso administrativo e exercício do contraditório e da ampla defesa”.
“Estão criticando a existência das bancas. O número de indeferimentos tem caído muito. Na reportagem da Veja [Matéria publicada pela Veja em 21 de março, cujo título é: “Recusa de vagas no sistema de cotas expõe preconceitos contra pardos”] eles falam de um indeferimento de 12%, mas o que o povo tem feito é pegar esses casos e apresentar como se fossem a maioria dos casos.”, detalhou Mauro Baracho, Mestre em Antropologia Social.
Em 2017, O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que os aspectos de pretos e pardos, que de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), formam o grupo de negros, a serem considerados pelas bancas em concursos e processos seletivos são: textura do cabelo (crespo ou enrolado), nariz largo, cor da pele (parda ou preta), lábios grossos e amarronzados.
No caso do aluno Alison Rodrigues, que obteve na justiça o direito de frequentar as aulas de Medicina na universidade após decisão emitida nesta sexta-feira, 5, a banca entendeu que nenhum desses critérios foram identificados no aluno e que seu cabelo raspado não contribuiu com a avaliação. Porém, existe uma foto do estudante antes de raspar o cabelo que poderia ter sido enviada para a banca em uma segunda análise. A foto poderia colaborar com a avaliação seguindo os critérios definidos pela justiça e utilizados pelas bancas.
Baracho pontua que Alison não se autodeclara negro, ele apenas diz que é pardo. “Outro ponto que nem a autodeclaração de negro desse rapaz foi atacada. Porque ele se autodeclara pardo, e autodeclaração para as cotas é como negro de cor preta ou parda. Em momento nenhum ele diz que é negro”, pontua.
Em um vídeo publicado em seu Instagram, Baracho explicou que a forma de identificar uma pessoa negra no Brasil é por fenótipo e não por DNA. Ele defende que as bancas de hetereoidentifcação indeferiram apenas 12% dos estudantes que passaram no vestibular por meio de cotas, ou seja, 88% dos alunos passaram pelas bancas e foram aprovados, o que não justifica os ataques às bancas e às ações afirmativas que vêm acontecendo após esse caso específico do aluno da USP ganhar destaque na imprensa.
Manter a confiança nas bancas de heteroidentificação é confiar em um sistema que foi e ainda é composto por integrantes do Movimento Negro e que utiliza critérios importantes na validação dos estudantes negros que serão beneficiados por esse mecanismo de reparação social que contribui com a equiparação na formação profissional e educacional da população negra, apesar dos recentes ataques que colocaram em dúvida as bancas de heteroidentificação, que serviram de bode expiatório para que a validade das cotas raciais fossem questionadas por aqueles que ainda se incomodam com o aumento no número de pessoas negras que acessaram o ensino superior.
Podemos propor que os processos da banca de heteroidentificação sejam aprimorados, como no caso de Alison, que teve sua avaliação feita por foto, diferente de outros alunos, que foram avaliados presencialmente, mas é necessário pensar que questionar a utilidade das bancas só beneficia aqueles que podem fraudá-la.
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