Quem protege a nós, mulheres negras? Quando uma mulher grávida morre de forma tão violenta a sensação é de que até o sagrado nos abandonou. Dói, choca, paralisa e é inútil racionalizar nossas emoções. A cabeça tensiona o pescoço, a vontade de chorar vem tão forte quanto a sensação de raiva e de impotência. Porém, a verdade é que as forças invisíveis alimentadas pela fé nunca nos abandonam. A crueldade genocida de um Estado que não se comove com a morte de corpos pretos estremece a nossa relação com as nossas crenças e com a esperança, mas elas são mais palpáveis do que a nossa confiança na justiça.
Kathlen Romeu , 24 anos, decoradora de interiores morreu um pouco antes do Dia dos Namorados, no mês do amor e carregava em seu ventre o fruto dele há 14 semanas. Não tem como não se emocionar ao checar o perfil seu no Instagram e ver aquele corpo mostrando os primeiros sinais de gravidez e a alegria dela com esse processo natural e lindo, sem contar seu abraço afetuoso em seu companheiro em um ensaio fotográfico que gestantes amam fazer.
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Ela emanava luz e ao ler as mensagens de quem realmente a conhecia, bate a certeza de que essa energia de amor perceptível no olhar dela, não foi uma impressão baseada no meu sentimento pela forma que ela morreu. “Menina doce”, “Garota alegre”, “orgulho da família” foram algumas das impressões que li sobre ela.
Essa morte bateu em diferente em muitos de nós, porque ainda nos recusamos a normalizar as vidas perdidas, mas para além disso, quando uma mulher negra grávida morre, perdemos duas vidas. Eu não vi, mas imaginar o corpo de uma gestante baleada no chão é algo que me falta palavras para descrever, mas causa aquele tipo de dor que não é física.
Do herdeiro de Kathlen foi tirado direto de viver antes que ele pudesse conhecer o rosto da mulher que já o amava incondicionalmente. Fatos assim nos colocam de frente ao que há de pior em relação ao o que é ser negro no Brasil.
A morte dessa mãe é a morte do seu bebê, de uma família em construção, de sonhos, de esperança de uma geração melhor do que a anterior, de uma potência brasileira. Dói como se ela fosse alguém da família, porque dentro do espectro do que é ser negro no Brasil, ela poderia ser mesmo.
Kathlen merece justiça.
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