Por: Prof. Ivair Augusto Alves dos Santos

Estamos todos impactados com a beleza e o simbolismo da posse do presidente Lula, que nos animou a sonhar e ter esperanças sobre a composição dos Ministérios. A dúvida que ficou é se a diversidade ficará só na bela foto ou se vai se estender a toda a Esplanada. Porque, com a posse dos Ministros, a primeira resposta foi dura e inesperada: inexistência de secretários e pessoas negras no segundo escalão. A imagem, mais uma vez, foi a de homens brancos nomeando homens brancos, o que perpetua o racismo estrutural de maneira perversa.

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Há ministérios que assustam pela falta de sensibilidade, com uma visão estreita sobre meritocracia e vasta ignorância da história de lutas do povo negro, que nos últimos 50 anos produziu um crescimento exponencial de profissionais afrobrasileiros, perfeitamente capacitados a atuar em qualquer área de atividade. Se existe uma área que podemos falar com tranquilidade sobre a qualidade, quantidade e a competência do talento negro, ela é a Educação.

Ninguém lutou mais pela escolarização do negro ao longo do século XIX e XX, do que as famílias negras. Elas lutaram contra legislações que simplesmente proibiam o negro de estudar. A primeira lei de Goiás sobre instrução, de 23 de junho de 1835, obrigava os pais a dar educação primária aos meninos, mas ressalta: “Somente as pessoas livres podem frequentar as Escolas Públicas, ficando sujeitas aos seus Regulamentos”. Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Alagoas, entre vários outros estados, também proibiam a escolarização de negros. Da mesma forma, a lei imperial nº 1, de 14 de janeiro de 1837, trazia a vedação: “São proibidos de frequentar as escolas públicas: Primeiro: pessoas que padecem de moléstias contagiosas. Segundo: os escravos e os pretos africanos, ainda que sejam livres ou libertos.”

Uma história de privações afetou duramente o acesso dos negros à educação e também ao direito básico de votar. A ausência de escolarização alimentou a subcidadania dessa população. Até 1988, apenas 35 anos atrás, as pessoas analfabetas — na maioria, negras — ainda não podiam votar.

Quando reivindicamos a presença de negros no primeiro escalão dos Ministérios, com o reconhecimento de sua plena competência para a gestão pública e a importância estratégica de exercê-la, estamos evocando a dor, o sofrimento e a luta para reverter uma longa trajetória de discriminação e exclusão. Milhões de famílias negras enfrentaram o racismo, para garantir que seus filhos pudessem acessar o direito à Educação. E essa reparação histórica só começou no século XXI, com medidas como a Lei 10.639, promulgada em 2003, no primeiro governo Lula, para instituir o estudo da história e cultura afro-brasileira nas escolas.

Não por acaso, um dos ministérios que o governo racista e reacionário de Bolsonaro focou, para destruir os avanços e conquistas da população negra, foi o da Educação. Por isso mesmo queremos participar de sua reconstrução. Temos um exército de milhares de professores afro-brasileiros, prontos para travar essa luta. Mas ainda não fomos convocados .

As desigualdades sociais são reforçadas na educação. A taxa de analfabetismo é 11, 2% entre os pretos, e 11,1 entre os pardos; e, 5% entre os brancos. Enquanto 70, 7 % dos adolescentes entre 15 e 17 anos, a etapa adequada à idade escolar, entre os pretos , este índice cai para 55,5% e entre os pardos cai par 55,3 %. Segundo estudos do Todos pela educação.

Marcados por uma história repleta de maldades contra o povo negro, temos esperança no novo ministro Camilo Santana. Ele implementou no Ceará um dos melhores programas de Educação do país e agora poderá compartilhar com toda a federação a sua bela e vitoriosa experiência. Mostrou sensibilidade e compromisso com a luta antirracista e garantiu conquistas importantes à população afrobrasileira. Em 2016, criou o Conselho Estadual da Igualdade Racial, pela Lei 15.953. Em 2017, formulou e implementou a Lei 16.197, que instituiu a lei de cotas nas três universidades estaduais. E em 2021 criou as cotas no serviço público estadual, por meio da lei 17.432 de 2021.

Temos que festejar as iniciativas do ex-governador cearense, que soube fazer a leitura política e criou leis de interesse da comunidade negra. Mas há um porém, que não é irrelevante. Durante os seus mandatos, nunca houve uma só pessoa negra em seu secretariado. O script foi o mesmo de sempre: a meritocracia dos brancos escolhendo gestores brancos. Mesmo num estado com um número expressivo de pessoas negras qualificadas.

O que se perguntava agora é se, como ministro da Educação, Camilo Santana iria ignorar a capacitação dos professores negros. Temos uma infinidade de profissionais qualificados com mestrado e doutorado, com a sua vasta e sólida produção científica, e não há argumento para não recrutá-los no Brasil inteiro. Se o governador teve a sensibilidade de reservar 20% dos cargos de concursos públicos estaduais a negros, o ministro será capaz de ter o mínimo de 20% de negros nos cargos em comissão do MEC? Ser ministro exige sintonia com a expectativa do povo brasileiro, de seja respeitada a sua diversidade — uma lição que o presidente Lula já assimilou.

Salve, pois, Camilo Santana! Estaremos contigo nessa empreitada de reconstrução do Ministério da Educação, pois você tem história na luta antirracista. E o ministro correspondeu e nomeou duas mulheres negras como secretárias: a dra Katia Schweickardt, Doutora em Sociologia e Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professora associada da Universidade Federal do Amazonas, para Secretária de Educação Básica e a dra Zara Figueiredo, Doutora em Educação pela USP e docente da educação básica pública por mais de 20 anos, para Secretária de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão.

Temos que celebrar esse avanço no Ministério da Educação com essas duas estratégias secretarias e com o desafio de definir políticas para milhões de jovens brasileiros. O movimento negro precisa estar presente contribuindo com sugestões e críticas. O trabalho que se inicia de reconstrução tem muitos adversários e nossa vigilância será fundamental.

Esperamos que os demais ministérios sigam o exemplo de Camilo Santana, tendo a coragem e inteligência de nomear pessoas negras para o Segundo escalão.

*Ivair Augusto Alves dos Santos
Mestre em Ciências Políticas pela Unicamp
Doutor em Sociologia pela UnB
Ex-diretor do Departamento de Direitos Humanos da Secretaria de Direitos da Presidência da República.

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