Apesar da carga de pessimismo e descrença que paira o Brasil desde sempre, é preciso reconhecer que para nós negros, as coisas têm melhorado sim. Avançamos rapidamente em alguma áreas, mais lentamentos e outras, mas é inegável que somos mais ouvidos. Mesmo com o desgaste da palavra empoderamento, seu significado traduz muito o que é ser negro hoje no Brasil. Nossas crianças não aceitam que toquem em seu cabelo, como os mais antigos aceitavam, já nasceram desfrutando da liberdade de forma plena e questionam a falta de representatividade (cadê minha boneca preta?).
Todo esse novo momento precisa de uma contrapartida que é a representação desse novo desse novo cenário na nossa cultura. Elísio Lopes, 42, roteirista, ator e produtor, está por trás das produções negras na TV, e no Teatro que tiveram mais repercussão mediáticas nos últimos tempos.
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Do precioso programa Espelho, no canal pago TV Brasil, ao mega criativo Lazinho com Você, chegando ao necessário Dona Ivone Lara: O Musical, Lopes traz autoestima, alegria e muito amor em suas produções falando sobre negritude para todo mundo, com trabalhos com carimbo de excelência negra.
Ele teve a generosidade conversar com a gente sobre trabalho e até como a paternidade mudou sua ótica de atuação profissional.
Mundo Negro (Silvia Nascimento) – Não tem como falar do audiovisual negro do Brasil, sem fazer um paralelo do que acontece nos EUA. Se aqui somos a maioria nas ruas e a minoria na TV, ao contrário da que acontece por lá, podemos culpar o racismo ou você acredita que há outras variantes?
Elisio Lopes Jr. : Eu acho que enquanto as nossas histórias forem contadas por autores e diretores brancos, elas não vão atingir a sua potencia máxima. O que os EUA vem nos ensinando e a gente vem percebendo nas produções há mais de 15 anos com fenômenos BET, Shonda Rhimes e séries de sucesso é que a gente pode contar a falar sobre qualquer assunto e qualquer história, mas a ótica precisa ser diversa. Não adianta você contar a história de um personagem negro, escrito e dirigido por um autor ou diretor branco. É preciso ter autoria das próprias histórias. A gente precisa contar as nossas próprias histórias. Faltam roteiristas e diretores negros, não bastam ter atores talentosos á frente da tele interpretando personagens enquanto eles forem escritos por que não conhece a história de verdade. Então eu acho que o grande problema que a gente tem hoje na televisão brasileira é a falta de pensadores negros presentes nos quadros das emissoras de TV pensando nessas histórias. Eu percebo muitas vezes quando você assiste uma produção de dramaturgia no Brasil e essa produção fala da questão racial, os erros são normalmente os mesmos. As falas que são ditas, são falas que um personagem negro normalmente não falaria.
O racismo no Brasil não é explicito, ele não é um racismo que você chega em diz “eu não gosto de você porque você é negro”, normalmente ele se expressa de uma maneira indireta, nos atos e nas ações, nos julgamentos e não na fala racista. E quando esses assuntos aparecem nas produções audiovisuais você vê essas falas acontecerem: “sua negra” ou “seu negro”. Isso não funciona assim no Brasil. O racismo que nos fere a e mata é o racismo velado, é a aquele que a pessoa não assume e nem reconhece que é racista. Enquanto a gente não tiver autoria e puder falar desse assunto de forma honesta e verdadeira, seremos coadjuvantes na nossa própria história.
De que forma você acha que as redes sociais têm contribuído para mostrar que nós negros existimos O caso do Dona Ivone Lara: O Musical, você sentiu a potência dessas vozes. Essa interação tem sido um estímulo ou bloqueio para o seu processo criativo como roteirista e produtor?
As redes sociais mudaram a forma de ser e interagir do mundo todo. Eu acho que impossível pensar em qualquer questão hoje que envolva o convívio e interação social e ignorar as redes sociais. Nesse sentido eu sou muito atento a todas as ondas que as redes propõem pare gente, inclusive as bolhas que a gente se encontra e como furá-las para que a gente tenha acesso à opiniões diversas e não apenas a nossa própria plataforma de aprovação.
Tem uma coisa muito complicada nas redes sociais hoje, que é que onde a partir do momento que você tem a sua própria plataforma, sua página, seus seguidores, seu grupo, você quer ter razão. Eu sinto uma síndrome, do “todos querem ter razão” e todos queremos fechar o assunto e ter a palavra final em assuntos que não tem fechamento, porque são só provocações e ondas. Um bom exemplo disso é o que aconteceu com a Dona Ivone Lara: O Musical , na época que a Fabiana Cozza foi anunciada como protagonista e que gerou uma onda que furou todas as bolhas, onde brancos e negros, interessados em teatro, ou não, discutiram o colorismo como nunca havia se discutido antes. Então sou muito a favor disso. Quando mais transversal , mais a gente aprende.
Eu gosto da Internet útil, a que te informa, que te aproxima de quem você não conhece e faz com que você possa trocar informações a aprender mais. Esse episódio da Fabiana Cozza foi um aprendizado para todos, foi muito útil. Eu reprovo a violência . Acho que quando você usa as plataformas para agredir pessoas, para propagar o ódio, acho que a rede perde sua potencia máxima. No episódio do musical a gente descambou para isso, para falta de respeito. A violência em algum nível é um reflexo de dor. Se eu estou sentido dor , eu vou agredir, mas isso atrapalha a reflexão sobre os assuntos.
Qual tipo (assuntos preferidos) e onde você consome conteúdo? Você segue influenciadores digitais? Você tem algum preferido?
Sim, sigo vários. Faço parte de vários grupos de discussão e procurando furar as bolhas e ouvir pessoas e histórias que a gente não conhece. Meu trabalho é feito de conseguir entrar em outros universos.
Ano passado dirigi o primeiro stand up de uma mulher negra falando sobre racismo que foi Tia Má com a Língua Solta.
Temos grupos de discussão e isso faz parte da minha vida, diariamente. Também temos a literatura. Eu li muito Joelsito Araújo e outros que criaram essa racionalização sobre o negro na mídia e na televisão. Então eu li muito sobre essa geração que veio antes da minha, para entender esse painel e ter minha opinião. Todos eles fazem parte da minha formação como artista e pensador.
Eu acho que a gente pode falar sobre qualquer assunto. Eu tenho um pouco de incômodo com a questão assim: roteirista negro tem que contar só coisas de negro. Eu acho que a gente tem a capacidade, inteligência e potência para contar qualquer tipo de história e também podemos ser escalados para contar e dirigir qualquer tipo de história.
Você fez vários projetos com o Lázaro Ramos. Como é trabalhar com ele? A comunidade negra o vê quase como o único grande ídolo negro brasileiro, enquanto artista. É perceptível o peso dessa responsabilidade quando vocês estão criando algo juntos?
Muito antes de ele ser essa figura emblemática que ultrapassou as linguagens artísticas, como televisão, cinema e teatro, ele é meu amigo pessoal e com quem aprendi fazer teatro desde do Bando De Teatro Olodum onde ele começou. Eu tenho um respeito pela trajetória que ele construiu e me sinto um observador privilegiado desse crescimento e desse amadurecimento dele como ator, diretor e principalmente como pensador da cultura e da arte. Obviamente sabemos do peso e da influência que ele tem como voz ativa na mídia e artes e em tudo que se faz e pensa ele leva em conta esse papel que ele tem, o desejo e aspirações que outros artistas depositam nele como porta voz, como um espelho. E o programa Espelho nasceu assim, é para gente se ver, se identificar e discutir o Brasil. Eu tenho muita honra de ser roteirista desse programa há mais de 10 anos. O programa tem uma documentação do país nessa última década que é uma preciosidade.
Entrevistas com os negros mais relevantes de todas as áreas que estão discutindo o país e revendo a nossa nação. A cada temporada a gente pensa um recorte e vai fundo nos entrevistados para que o programa cumpra o papel que vem tendo nesses anos. Eu tenho muito orgulho em fazer parte dessa equipe. Esse ano a gente teve a direção da Juliana Vicente, que é uma diretora negra de São Paulo.
A maioria dos seus projetos mais recentes são relacionados a questões negras. Isso foi uma opção sua ou a vida te levou para esse segmento?
Depois que eu me tornei pai, eu tenho três filhas, uma de 7 anos, que se chama Bela e duas de 3 anos, Nina e Malu. Depois disso minha militância se tornou mais aguerrida, entraram outras questões que antes não faziam parte da minha plataforma de interesse, como a questão da mulher negra e do racismo na infância, a questão da minha descrença profunda e absoluta do que se chama de igualdade racial, Eu não acredito em igualdade, não acho algo possível e enquanto não aceitarmos que somos diferentes, mas temos os mesmos direitos, a gente não vai conseguir caminhar para frente. Nós não somos iguais , nossas histórias não são iguais, nossa demandas não são iguais.
Não foi uma escolha profissional abordar esses assuntos no meu trabalho, mas eu tenho esse diferencial de ser um profissional de roteiro e direção de ter essa informação e viver essa história no dia a dia e como tem muito pouco autores e diretores negros atuando no mercado, infelizmente eu acho que é meu papel estar no meu lugar de dar a informação sobre o que é ser negro no Brasil. Não me limito a isso, mas cumpro esse papel com muito prazer. Faz parte dessa missão estar aqui e trazer outros comigo, porque sozinho a gente não avança. Precisamos de uma base sólida de profissionais competentes que irão ocupar esse mercado.
O que você aconselha para atores, roteiristas e diretores negros que pensam em viver de audiovisual no Brasil?
Viver de áudio visual é uma aventura para qualquer profissional, principalmente para os profissionais negros. O investimento na nossa formação é sempre o ponto de partida. Temos que pensar que qualquer espaço pode e deve ser nosso e partir para cima. Outra coisa, a história mais simples, da sua casa, da sua família de como você se formou como individuo é a história que ninguém conhece. Quanto mais na ótica do pessoal criativo a história é contada, mais original ela se transforma. Sempre vai valer a pela contar as nossas histórias e saber como contá-las. Para mim o segredo é esse.
Quais os projetos que te deram mais orgulho. No que você está envolvido atualmente e quais projetos futuros que você pode revelar para gente?
Eu aprendi muito cedo que a gente tem que fazer dobrado, né? Para se manter no mercado, temos que fazer duas vezes o que os outros profissionais fazem. Eu amo o que faço, faço com muito amor. O trabalho que eu destaco é que estou fazendo agora, Dona Ivone Lara: O musical, que eu escrevi com muito empenho e queria muito fazer um espetáculo que fosse significativo para questão da mulher negra no Brasil.
E a gente não conta só a história da Dona Ivone Lara, a gente também conta a história da Zaira de Oliveira que foi uma cantora lírica brasileira proibida de representar o Brasil no exterior por ser negra. Também contamos a história de Elisete Cardoso, de Rosinha de Valença, Tereza do Jongo. É um espetáculo que fala muito sobre as mulheres negras que fizeram parte da historia da Dona Ivone Lara.
Eu também tenho muito orgulho do livro que lancei ano passado, A trilogia da Noite, da editora Giostri que tem três peças de teatro minhas: “Alta Noite”, “Antes que anoiteça em mim” e “Liberté”, que acontece no dia 14 de maio, um dia depois da suposta abolição dos escravos.
Em relação aos projetos futuros, eu estou na equipe do novo Lazinho com Você, na Globo, faço parte da equipe de colaboração do Ó Paí, Ó 2, o filme , o roteiro do longa metragem 7 Conto, do Luis Miranda . Também dirigi o show infantil “A caixa Mágica” que estreou em julho, em Salvador.
Ano que vem, tem o musical “Alcione, eu sou a Marrom”, que vai fechar essa trilogia do samba, que fez Cartola, Dona Ivone Lara e o próximo que já foi divulgado é a Alcione. Eu devo começar o trabalho de pesquisa e construção da dramaturgia desse novo projeto.
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