Vítimas negras do nazismo: a luta contra o apagamento na memória alemã

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Vítimas negras do nazismo: a luta contra o apagamento na memória alemã
Mandenga e Emilie Diek, com filhas Erika und Dorothea: família perdeu tudo devido a perseguição nazista | Foto: Privatbesitz Reiprich

Enquanto os crimes do regime nazista contra judeus, integrantes da etnia sinti, roma e outras minorias são amplamente documentados, a perseguição sofrida pela população negra na Alemanha entre os anos 1933 e 1945 ainda enfrenta dificuldades para ser reconhecida, conforme aponta reportagem do DW. Historiadores destacam a falta de pesquisas e a relutância da sociedade alemã em aceitar que negros fazem parte do país desde o século 19.

“Estamos falando de um período em que os próprios nazistas destruíram documentos, então é difícil encontrar informações. Muitos historiadores negligenciam esse ponto”, afirma Robbie Aitken, pesquisador da Universidade Sheffield Hallam (Inglaterra), que estuda comunidades negras na Alemanha há 20 anos. A presença negra no país remonta ao período colonial, quando o Império Alemão dominava territórios no continente africano, como Camarões, Togo, Tanzânia e Namíbia. Após a 1ª Guerra Mundial (1914-1918), a Alemanha perdeu suas colônias, mas muitos africanos e afrodescendentes já viviam no país. Outro grupo surgiu da ocupação francesa na Renânia, onde soldados coloniais se relacionaram com mulheres alemãs.

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Com a ascensão dos nazistas em 1933, a minoria negra – já marginalizada pela crise econômica de 1929 – passou a sofrer perseguição aberta. “Quem quisesse ser racista podia maltratar os outros física e verbalmente. Eles tinham rédea solta”, relata Aitken. Negros foram expulsos de suas casas, perderem negócios e enfrentaram restrições sociais e econômicas. Um caso emblemático foi o do comerciante camaronense Mandenga Diek, que teve sua empresa confiscada e foi declarado apátrida. Sua família quase foi submetida à esterilização forçada – prática aplicada a crianças birraciais na Renânia por ordem da Gestapo.

“Essas medidas mostram uma intenção genocida”, afirma Aitken. “Não foram todos os negros esterilizados, mas havia uma política clara de eliminação”, conta.

Resistência e invisibilidade histórica

A historiadora Katharina Oguntoye, coautora do livro Farbe bekennen (1986), pioneiro em dar voz a mulheres afro-alemãs, ressalta a falta de reconhecimento da contribuição negra no país. “Poucos pesquisam pessoas negras no período nazista. É uma história que ainda precisa ser contada”, diz.

Alguns nomes, como o do ator Theodor Wonja Michael e da compositora Fasia Jansen, começam a ganhar visibilidade. Em Colônia, uma biblioteca leva o nome de Michael, autor de uma autobiografia sobre sua vida na Alemanha do século 20. Mas, para Oguntoye, é preciso mais: “Biografias e histórias de vida deveriam estar nos currículos escolares. É a forma mais fácil de lembrar dessas pessoas.”

Desafios atuais e luta por representação

Apesar dos avanços, organizações como a Rede Acadêmica Afrodiaspórica (Adan) alertam para o crescimento da extrema direita na Alemanha. Sophie Osen Akhibi, da Adan, defende que a comunidade negra busque espaços de poder. “Não adianta ficar no papel de vítima. Precisamos ocupar posições de decisão ou construir nossas próprias estruturas”, afirma.

Enquanto isso, iniciativas como placas memoriais em Berlim e a valorização de figuras históricas, como o filósofo Anton Wilhelm Amo, tentam preencher as lacunas deixadas pelo apagamento histórico. Mas, como lembra Oguntoye, 12 anos de nazismo foram suficientes para marcar profundamente uma sociedade – e seu legado ainda precisa ser enfrentado.

Com informações da Deutsche Welle

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