Será que nossa personalidade seria diferente se não fossemos negros? Eu acho sim. As experiências geradas pelo racismo tendem a nos fazer pessoas mais inseguras, quando comparadas com brancas, e também, infelizmente, mais acostumadas com a rejeição e solidão, e isso acontece desde a primeira infância.
O texto que fizemos sobre o constrangimento das crianças em sala de aula, quando o assunto é escravidão e abolição, com milhares de compartilhamentos, teve diversos comentários de pessoas que trouxeram para fase a adulta, os sentimentos de tristeza e vergonha de muitos anos atrás, quando era crianças na escola.
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Não dá para competir qual o pior tipo de racismo, mas sem dúvida, não podemos discordar, que o ocorre com as crianças negras é muito mais lastimável e covarde, ainda mais quando elas estão em um espaço lúdico como o parquinho e é causado crianças brancas, que tecem comentários preconceituosos, gestos ofensivos, risadas e só interagem com quem é igual a elas.
“É muito triste ver a sua filha sendo rejeitada! Mesmo antes de dizer “Olá!” ela chega perto e todas correm, ela se aproxima, e todas as outras se agrupam, ela chama e ninguém responde. Isolam-na, excluem-na, a machucam”. Esse relato repleto de dor materna é da empresária e influenciadora digital, Ana Paula Xongani. Mãe da Ayo de 4 anos, uma menina linda, de pele escura e cabelos impecáveis. Xongani viu um pouco de si mesma ao constatar a rejeição que sua filha sofria de outras crianças brancas no parquinho do prédio onde ela mora.
“Nós mulheres negras vivemos esses mesmos traumas na infância. Foi ruim, mas com o passar do tempo a gente esqueceu, superou ou refletiu em outros momentos da vida. Mas, ser mãe te faz reviver alguns deles, e dessa vez de forma mais intensa e muito mais dolorosa”, desabafa Ana Paula.
Eu conversei com ela por telefone, mas ela diz que quer ser cautelosa com esse assunto “ Não quero ser objeto do racismo e sim ser sujeito das minhas construções”. Como seu post no Facebook teve mais de 7 mil compartilhamentos, e viralizou a hastag #EuTenhoPressa, ela foi procurada por portais de notícias e programas de TV, mas recusou todos os pedidos de entrevista.
Em lágrimas escrevo:Tem muita coisa linda na maternidade, mas tem muitas dores também. Ser mãe de uma menina preta me…
Posted by Ana Paula Xongani on Tuesday, May 15, 2018
Não há muito mais o que dizer, depois do seu relato. Só lastimar. Os comentários do post da empresária, sugerem de tudo, até mesmo que ela mude de casa até diversos convites de pais querendo Ayo brincando com os seus filhos. Mas esse não é um caso isolado.
Uma mãe negra residente na Espanha viveu um momento de terror ao tentar fazer com que seu filho brincasse em uma praça e interagisse com as crianças do seu tamanho. Além de ouvir os berros de crianças brancas, aparentando menos de 10 anos de idade, pedindo para garotinho descer do escorregador, ao descer, com a ajuda da sua mãe, calada e triste, ele ainda foi perseguido e chamado de macaco por uma das meninas. A mãe desistiu e tirou o menino do local e o mundo todo assistiu, já que o vídeo também teve milhares de compartilhamentos nas redes sociais. Ver crianças sendo cruéis choca. A pureza é substituída pela perversidade do racismo. E não é brincadeira.
https://www.youtube.com/watch?v=nJeIAoWkLUA
Para mães negras ativistas, desenvolver a negritude nas crianças é questão de sobrevivência
“Infelizmente a maioria das crianças negras não tem uma mãe como a Ana Paula Xongani. Esse é um caso de racismo que reverbera de forma brutal no futuro dessa criança e toda a sua família. Infelizmente nem todas as famílias são ‘escurecidas’ o suficiente para dar esse acalanto e pronto-atendimento aos filhos”. A explicação é de Priscila Gama, mãe, empreendedora social de Vitória (ES) e responsável pelo projeto Quilombinho, um evento de férias afro-centrado.
Ela ressalta o poder de eventos afro-infantis para fortalecer e aumentar a autoestima dos pretinhos e das pretinhas. “Espaços de troca como o Quilombinho fortalecem essa questão de orgulho negro e escurece didaticamente questões ligadas ao racismo, porque a gente não trata dor racismo diretamente com crianças porque dói, mas explicamos de uma outra forma. Quando as crianças trocam experiências nesses espaços, elas se fortalecem, é inevitável”.
Aprender a se defender contra o racismo, também é um dos aspectos positivos da valorização do ser negro, desde pequeno. “As experiências que a gente tem aqui em Vitória é de grupo de crianças que se enxerga forte em suas individualidades e peculiaridades, sobretudo, em relação a sua pretitude. Nós vemos casos de crianças que sofrem racismo por parte de outras crianças e que se defendem sozinhas, falando que é racismo sim, ou por exemplo, apontado que um branco não quer brincar porque ela é criança negra e quem perde a criança branca. As crianças criam seu próprio argumento de orgulho preto, para se defender e por isso essa troca entre crianças negras é importante, como uma micro-comunidade potente, de várias explosões de orgulho nos nossos pequenos”, celebra Priscila.
Carla Cavallieri, mãe da Ágatha, Aisha e da Akillah e Historiadora formada pela UFRRJ relata que sua militância enquanto mãe preta, chegou a ser ironizada. “Quando criei o Nana Maternidade Negra e até hoje, muitas mães brancas questionam e ironizam sobre a demanda. Mas é exatamente por este motivo (casos como o da Ayo) que o Nana existe. Temos que ter plena consciência de que a criança é a réplica do adulto, cujo qual ela convive e que isto é simplesmente resultado de um país branco, racista e que pôs na cabeça que a democracia racial existe e que o ocorrido é brincadeira de criança. Não é. É atitude de adulto, que a criança vai reproduzir”.
“É isto que os nossos filhos estão sujeitos todos os dias enquanto famílias brancas e racistas não assumirem os privilégios que os cercam e as instituições de ensino não abrirem este debate desde as séries iniciais . Não é somente 13 de maio ou 20 de novembro. É um necessário um currículo antirracista, que atenda a verdadeira história deste país, desde o início”, defende a fundadora do Nana que tem por objetivo principal visibilizar e dar voz as demandas da maternidade negra.
Falta de referências entre crianças brancas aumentam o preconceito
“É sempre assim mãe, mas eu não me importo, gosto de brincar sozinha”, Ayo de 4 anos respondeu à sua Ana Paula.
Crianças brancas gostam de estar perto de pessoas parecidas com elas ou parecidas com os seus brinquedos e personagens dos seus shows favoritos na TV e na Internet. Uma criança branca que brinca com uma boneca da Moana ou Tiana, personagens da Disney, dificilmente terá preconceito com uma criança negra, porque a referência positiva se criou pelo amor a um brinquedo de cor diferente.
Pais brancos e educadores têm o dever de incluir a diversidade na hora da diversão e educação dos pequenos e pequenas. Quem não incluir racismo na pauta da formação de um “cidadão de bem”, está falhando.
Princesas, no caso negras, que algumas mães brancas têm o privilégio de enxergar como fúteis, são essenciais para essa normatização da presença negra em espaços dignos. O mesmo vale para os heróis negros.
Veralinda Menezes, que tem um projeto literário da Violeta, uma princesa negra inspirada em sua filha Sheron Menezes, me deu durante uma entrevista, uma definição sobre a importância da fantasia e da representatividade no universo infantil, muito certeira.
“As crianças negras veem a colega branca igual a todos os personagens desse universo e fica sem referência. Ou seja, a amiguinha branca tem cara de princesa e ela não. E a amiguinha branca, com o tempo vai achar que aquela menina negra está no lugar errado, ou que ela é feia ou inferior, lhe atribuindo menos valia”.
Já passou da hora dessa mentalidade de branco lindo e negro feio acabar. Nossos, avós, pais e nós mesmos, já sofremos com isso. Não dá mais para esperar, temos pressa.
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