“Quem não dorme quando é sentinela
na espera elabora
arrisca
enfrenta o vazio
inventa estrela
passo e caminho
mesmo que seja
por um fio
sobre redemoinho”
– Cuti
Numa tarde de inverno paulistano, acompanhei o ator e músico Mestre Ivamar numa visita ao artista No Martins, no bairro tradicional da Barra Funda. Conheci o espaço divino do ateliê de No Martins, artista que impressiona pela fala mansa, sem pressa, fluente e com o cuidado com as palavras.
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Entrar naquele lugar mágico com telas gigantes, herança do passado grafiteiro, onde cada tela nos remetia a cenas do quotidiano de mulheres e homens negros, nos emocionava e nos prendia nos detalhes. Não pude deixar de pensar nos mestres Lizar, Emanoel Araújo, Didi, Rubens Valentin e tantos outros que construíram um olhar negro sobre as artes plásticas brasileiras e tanto batalharam para impor seu trabalho na academia e no mercado elitista das artes.
Ex-aluno da consagrada artista Rosana Paulino que é muito reverenciada pelo jovem artista. O tempo que estive lá no ateliê, me identifiquei com as suas origens de ser um morador da Zona Leste de São Paulo e na importância que foi o apoio da família negra.
Imagine um jovem que decide sair do emprego com carteira assinada no Museu de Imagem e Som- MIS e dizer à família que pretende viver de sua arte. Precisa ter coragem, muita determinação e apoio familiar. Não deve ter sido fácil a tomada de decisão daquele jovem negro.
Com as lições aprendidas na vida, na prática de grafiteiro, nos cursos da faculdade e, principalmente, nos ensinamentos sobre a arte da paciência, do saber esperar e do cuidado com o tempo de espera. No trabalha e faz acontecer os seus lindos projetos.
As pinturas e instalações artísticas de No Martins têm o mesmo impacto das poesias de Cuti, Oswaldo de Camargo, Jamu Minka, Arnaldo Xavier, Miriam Alves, Esmeralda Ribeiro, Kwame Yonatan, Solano Trindade e Eduardo de Oliveira. São imagens fortes do nosso quotidiano, que provocam nossa imaginação e mobilizam para luta contra o racismo.
Ouso dizer que estava diante de um “Miles Davis” da pintura negra brasileira. Durante aquelas horas de convívio, ouvindo Jorge Ben Jor, Gilberto Gil e muitos sambistas, só pensava que estava diante de um gigante que me inspirava a pensar e a me orgulhar de ser negro. Eu me reconhecia naquelas figuras retratadas com tanta beleza.
Nas conversas que tive com o mestre Lizar, artista que inspirou muita gente, ele sempre relatava a dificuldade de conseguir espaços para expor seu trabalho. A branquitude cria obstáculos difíceis de serem ultrapassados, mas na arte elitista, as exigências são enormes.
No Martins fala sobre a necessidade de estudar, praticar, conhecer novas técnicas, conhecer novas realidades pra além do Brasil e seguir as orientações de Rosana Paulino: paciência. Expôs seus trabalhos nos EUA, na França, na Alemanha e em galerias brasileiras com muito sucesso.
Ele trabalha para sua nova exposição na Galeria Millan, agendada para o mês de novembro, e esperada com muita alegria por todos nós. Esperamos com muita esperança por este especial momento.
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