Texto de Patrícia Carneiro
Desde o dia 03.05.2024, estamos vivendo, como gaúchos e gaúchas, o maior desastre ambiental da história no Rio Grande do Sul. No dia seguinte, 04.05.2024, o nível do Lago Guaíba atingiu 5,31 cm, inundando a capital e a região metropolitana e causando um impacto sem precedentes. Até o momento, os danos incluem: 88% dos municípios do estado atingidos, 339.928 desalojados e um total de 1.951.402 pessoas afetadas diretamente, enfrentando falta de luz, água potável e bloqueios totais e parciais de rodovias, segundo dados da Defesa Civil no dia 11.05.2024. Com o principal aeroporto inundado, estamos literalmente ilhados. Em Porto Alegre, onde moro, um evento semelhante ocorreu em 1941, 83 anos atrás, quando o Rio Guaíba (aqui chamado de Lago) atingiu 4,76 cm, levando 32 dias para baixar abaixo da cota de inundação. Sem nenhum plano de contenção ou gestão de crise ambiental, a partir deste dia, assistimos à espetacularização da tragédia, embalada sob o rótulo da comunicação em tempo real para a população gaúcha e para o mundo.
Como um desastre, agora, após uma semana, é possível olhar para trás e entender os incômodos que foram sendo gerados desde a “cobertura” pelo Governador, que a cada dia se supera, incluindo um agradecimento no Twitter às antenas de internet de Elon Musk, até os vídeos editados com fundo musical para ornar as distribuições de alimentos e os pedidos de PIX dos influenciadores. Nesta análise, eu deveria categorizar: políticos, influenciadores digitais nativos e aspirantes a celebridades que perceberam que a tragédia gera audiência pela comoção, que por sua vez gera engajamento, seguidores, números e repercussão. E, de repente, a internet foi inundada em um desastre online com a temática de desastre, tragédia, RS, enchente, como doar, onde doar e, neste caos informativo online, o ambiente tornou-se perfeito para as fake news, conteúdos de ódio, polarização política, intolerância religiosa e medição de bondade, ação e colaboração virtual.
Quem sou eu para fazer uma análise desta? Sou uma profissional de comunicação social com mais de 25 anos de atuação como estrategista de marca e conteúdo, com sólida formação em Branding, Relações Públicas e Publicidade. Portanto, conhecimento não me falta para escrever o que tenho ouvido em voz baixa: quanta autopromoção. Basta abrir as redes sociais, especialmente o Instagram, para ver a descida de ex-BBBs para voluntariar, de personalidades locais e influenciadores de todos os portes pelas timelines. Mas para fazer o julgamento, é preciso analisar as postagens, o tratamento dado à informação. Se você analisar, vai sobrar poucos fazendo o certo: foco informativo na situação, com fontes citadas e confiáveis e que se colocam em segundo plano, pois o foco sob o holofote deveria ser a mensagem, seguindo regras éticas de não gravar e veicular crianças, idosos, corpos mortos e assim por diante. Ou controlar seu nível de opinião, sabendo o poder que tem para impactar milhares de pessoas que agem em efeito manada. Influência responsável está escassa neste momento.
Mas mesmo que fosse uma constatação técnica empírica, só tive coragem de escrever este artigo após duas provas cabais do fenômeno: o primeiro é um monitoramento de listening mostrando o salto de audiência em perfis claramente com prática de autopromoção, e o segundo foi ver um briefing de influência que pedia a citação do Instituto com a citação da liderança junto. Se me faltavam provas, elas chegaram nas minhas mãos, confirmando o que minha amiga e jornalista Silvia Nascimento sempre diz. Na investigação da fonte, eu tinha o histórico comprovado de autopromoção e aí junta Lé com Cré… e está montado o nosso quadro do CSI.
Outro fato e prova cabal foi fazer uma análise de comentários onde as pessoas identificam a prática de autopromoção e ainda resumem: Mas ao menos está fazendo. Como é que é? Vamos continuar seguindo a lógica do “Rouba, mas faz”? Este tipo de lógica é danosa e leva a fenômenos onde personalidades atingiram status messiânicos como o guru que orquestrou o suicídio coletivo ou o líder nazista, e assim a história está cheia de exemplos de más influências.
Sempre digo que o limite da autopromoção é onde está o holofote e o tamanho da vaidade ferida em não se ver incluída em rankings de destaque e reconhecimentos. Tenho o hábito de fazer perguntas: quantas pessoas atendidas, onde, quando? Mostre-me… Porque, junto com a influência, vem a confiança. E estamos em plena crise de confiança quando todo mundo começa a pedir PIX, mas a água segue faltando. Se você é influenciador, liderança ou ativista, pense duas vezes antes de integrar o time dos sem noção e sem ética em uma tragédia como esta e como as que virão. E pare simplesmente de jogar o holofote em si… o holofote ilumina inclusive este desvio.