Texto: Claudia Di Moura
A rejeição da sociedade aos traços do envelhecimento tem sido uma pauta discutida ferozmente nos dias de hoje, em que a população está envelhecendo ao mesmo tempo em que os padrões de beleza associados a uma eterna juventude estão sendo cada vez mais fortemente disseminados nas redes sociais.
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E as principais promotoras dessa discussão têm sido as mulheres, nós que somos as grandes vítimas desse preconceito de idade, que alguns chamam de etarismo, outros de idadismo, outros de ageísmo. Independentemente do nome, é um mal que assola as mulheres sim, mas de maneira especial as mulheres negras. Porque, como em toda interseccionalidade, a cor sempre vem primeiro.
Porque desde cedo a mulher negra tem sua juventude roubada quando é preterida no colégio, quando fica responsável pelo cuidado dos irmãos, quando precisa se lançar ao mercado informal de trabalho para colaborar no sustento da família, quando vive o luto pelo genocídio dos seus irmãos, primos e amigos, quando é estuprada e prostituída ou simplesmente quando não vê opção se não adultecer, alisar os cabelos, usar maquiagens que clareiem a própria pele para tentar receber migalhas de afeto.
E então, quando a mulher negra sobrevive à infância e juventude, quando perpassa a vida adulta e supera os cinquenta anos, recai sobre ela o estigma da Tia Nastácia, aquela mulher sem vaidade, sem amor, cuja vida é inteiramente dedicada ao cuidado dos filhos, seus ou dos outros. Eis o arquétipo da servidora do lar abnegada, que esconde seus sentimentos em prol do bem-estar da família, especialmente da família branca. É a cozinheira, a babá, a empregada doméstica que é como se fosse da família.
Óbvio que essas profissões são tão dignas quanto qualquer outra, mas mesmo essas mulheres trabalhadoras do lar têm suas vaidades, seus afetos e suas sabedorias, e isso é apagado em favor de estereótipos de submissão que são muito mais confortáveis para a branquitude racista.
Daí que, quando surge essa mulher negra com mais de cinquenta anos que se cuida, se ama, luta por sua independência, se abre para o amor e fala de sua subjetividade, ela é invisibilizada, questionada em sua identidade, posta constantemente à prova, provocada a permanentemente recitar suas dores e sofrimentos, e não seus prazeres, alegrias e conquistas. Nós mulheres negras que passamos dos cinquenta temos uma vida inteira a ser celebrada.
Eu me lembro do choque que causei na minha estreia na TV. Enquanto interpretava a Zefa, em Segundo Sol, uma personagem pela qual tenho um amor gigantesco, eu fiz minha primeira participação no antigo Vídeo Show, como Cláudia di Moura, com minhas roupas escolhidas criteriosamente, meus cabelos hidratados, meus óculos estilosos. Isso gerou uma comoção nacional, as pessoas escandalizadas por não conseguirem separar a atriz da personagem. Mas também por existir essa imagem no inconsciente coletivo de como uma mulher negra deve se vestir e se comportar quando atinge a maturidade.
A longevidade da mulher negra é uma conquista e deve ser celebrada em toda a sua glória e beleza. Envelhecer a despeito de todas as tentativas de nos apagar desde os primeiros anos de vida é mérito da nossa força e resistência. E por isso devemos ter orgulho de estarmos vivas, lúcidas e atravessadas de sonhos e desejos.
*Claudia Di Moura é uma atriz afro-indigêna e ativista. Como atriz, busca levar para o mercado audiovisual e para o teatro as múltiplas lutas pelos direitos das mulheres, do povo negro e dos povos originários.
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