Levantamento revela que bonecas negras representam 13,6% das fabricadas no país em 2023
O estudo bienal “Cadê Nossa Boneca?” está em sua 4ª edição e revela que a fabricação de bonecas negras no país representam 13,6%, um aumento de 217% de crescimento no número de modelos disponibilizados para compra no mercado em relação a 2020. Embora o número seja expressivo, ainda está muito aquém do número de crianças negras no Brasil.
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“Cadê Nossa Boneca?” nasceu em 2016, quando a psicóloga e Consultora Associada da Avante, Ana Marcilio, entra em contato com a também psicóloga e estrategista, Mycra Alves, sobre seu incômodo em não encontrar bonecas pretas quando foi em busca de brinquedos para doação para um espaço no presídio. Todas as bonecas que ela havia comprado eram bonecas brancas e isso a despertou para uma sensação de questionamento “como seria a reação da comunidade que seria atendida por aqueles brinquedos?“, que era predominantemente negra.
Nesse momento, Ana entra em contato com Mycra para juntas fazerem algo a respeito, e por que não mobilizar as pessoas para produzir, vender, comprar e doar bonecas negras? Então, elas começaram a produzir conteúdos e mobilizar as redes sociais com a campanha “@CadêNossaBoneca?”, que infelizmente só conseguiu investimento para essa primeira edição. Naquele ano, apenas 6% do total de bonecas fabricadas no país eram negras. Mesmo sem investimento, a campanha se transformou em um estudo bienal, e nas duas edições seguintes, realizadas em 2018 e 2020, esse percentual se apresentou quase sem alterações. Hoje, o número de bonecas negras disponíveis para compra no mercado online continua muito aquém do número de crianças negras no Brasil, dos 1.542 modelos de bonecas identificados nos 26 fabricantes associados, 13,6% são modelos de bonecas negras, diante de 86,4% de bonecas brancas.
O aumento na oferta, alavancado tanto por uma maior procura da população por bonecas pretas, como pelo próprio mercado, ao oferecer mais diversidade, o crescimento ainda deve ser considerado muito pouco ao considerar a enorme desproporção ainda existente na quantidade de modelos de bonecas brancas e de bonecas pretas em um país que, segundo o IBGE, cerca de 56% da população se autodeclara negra ou parda.
“Comemorar, celebrar, significa dizer, também, perseverar e seguir nessa luta. 13% é uma conquista, mas é, ainda, muito pouco!“, disse Ana Marcilio sobre o primeiro impacto significativo nos dados, oito anos depois da primeira edição do levantamento feito pela Campanha, a cada dois anos. A persistência mencionada por Ana Marcilio vem ancorada em estudos que mostram que o processo de autoidentificação, que acontece durante o processo do brincar, é fundamental para o desenvolvimento da autoestima das crianças. “A partir daí, é pensar que ter bonecas pretas é necessário para alcançar as ideias de diversidade, de valorização do sujeito, de fortalecimento da autoestima, das inter-relações pessoais e sociais da criança”, disse.
Fica então a observação e o questionamento: “Será que, aliado ao aumento da oferta e consequentemente da compra, há uma mudança sutil e gradativa nos padrões de beleza sociais?“. Empiricamente podemos dizer que sim, mas ainda não suficiente. Em outubro deste ano (2023), o Datafolha realizou uma pesquisa junto a homens e mulheres sobre considerar-se, ou não, pessoas atraentes. O resultado, entre as mulheres, mostra que 63% das que se autodeclaram brancas, sim, se consideram atraentes. Entre as pardas esse número cai para 60%; enquanto entre mulheres pretas chega a 58%.
O resultado da pesquisa traz pontos de evolução, mas também maiores e mais profundas reflexões. Uma delas diz respeito à classificação das bonecas por faixa de desenvolvimento. Foram encontradas bonecas tipo bebê, criança e, também, bonecas adultas. A distribuição por cor entre esses segmentos é diferenciada para bonecas pretas e brancas. Os modelos de bonecas pretas identificadas com a primeira infância, período de maior desenvolvimento da criança, e muito utilizadas pelas crianças maiores nas brincadeiras, são bem menores do que das bonecas brancas.
No processo de pesquisa e desenvolvimento deste artigo, conheci o projeto “Minhas Bonecas Negras” da jornalista e colecionadora de bonecas Barbie negras, Rafaele Breves. No perfil @MinhasBonecasNegras, ela conta a história das diferentes edições da boneca Barbie assinadas por diferentes designers. Se refletirmos que a primeira Barbie negra foi criada em 1980, assinada pela designer Kitty Black Perkins, mas quando que essas bonecas apareceram nas prateleiras trazendo a representatividade de diversidade de tons de pele e cabelo?
“Quando o modelo de beleza é centrado na branquitude é muito mais difícil a construção de uma autoestima positiva. Então, quando falamos sobre a importância da disponibilidade de bonecas pretas, estamos pensando na criança de hoje e de olho na mulher de amanhã“. Sensibilizar a indústria de brinquedos brasileira para esta questão é um passo importante para mudar esse cenário e possibilitar que cada vez mais crianças negras possam ter contato com modelos que as representem e esse é um processo crucial para o desenvolvimento da autoestima, enfatiza Mycra Alves. Os 86% dos modelos brancos são uma evidência do quanto as representações sociais ainda refletem um ideal de branquitude, ao serem confrontados com os 13,06% de modelos de bonecas pretas.
Cadê Nossa Boneca? traz um olhar bem especial a essa etapa da vida escolar ao promover sensibilização e fortalecimento da representatividade por meio de uma campanha de conscientização sobre a importância das bonecas pretas.
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