Texto: Ricardo Corrêa
Antes de tudo, expresso meus sentimentos a família de Thiago Menezes Flausino, assassinado dias atrás, durante uma operação policial na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. O jovem negro tinha 13 anos, e entrou para as estatísticas de violência que faz dos corpos negros o alvo preferencial. O que aconteceu com Thiago, somado a tantas outras vidas roubadas precocemente, me fez refletir sobre muitas questões que atravessam a sobrevivência da população negra, incluindo aquelas que se referem ao mercado de trabalho. Pois, é desse lugar que as nossas esperanças são alimentadas, mesmo sabendo das dificuldades de concretização dos sonhos diante do racismo.
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Por vezes, acesso o conteúdo de uma plataforma que reúne pessoas que estão à procura de inserção no mercado de trabalho, ampliação da rede de relacionamentos profissionais, e difusão de cursos e prêmios conquistados na carreira. Nessa rede muitas empresas oferecem oportunidades de emprego. No entanto, o ambiente é contaminado de ideias que reforçam a meritocracia “se esforce para ser recompensado”, e é tão nojento que me causa náuseas.
A nocividade desse pensamento reside na negligência dos obstáculos impostos as pessoas de acordo com a raça e o gênero, e naturaliza as desigualdades sociais. Um exemplo prático da meritocracia é o vestibular para o ingresso nas universidades. Não importa as condições de vida dos vestibulandos e a maneira que se prepararam para a prova; se a educação fundamental foi de qualidade, se moravam em ambiente saudável, se sofreram com a fome e a violência, se estavam saudáveis, se conseguiram descanso durante a maratona de leituras. Para o sistema de seleção “somos todos iguais”; o mérito será simplesmente de quem alcança as melhores notas. Eu até acho que se chamarmos o vestibular de desleal é eufemismo, na realidade é desumano e cruel. A exigência de competência individual aos negros, desconsiderando todas as adversidades oriundas do racismo, somente endossa o privilégio branco. Não é por acaso que os cursos mais concorridos nas universidades públicas e com maior status social são repletos de pessoas brancas.
Além disso, o sistema é tão podre que colocou na mente de muitas vítimas a defesa do pensamento de responsabilidade individual. Na plataforma existem pobres e negros difundindo ideias que dão a impressão de que eles são executivos e participantes dos cargos de direção das empresas, mas constatamos que são apenas “chão de fábrica”. Essas pessoas publicam comentários, vídeos e imagens, opiniões sobre sucesso profissional de terceiros, como se fosse alcançável para todo mundo “nunca desista dos seus sonhos”, dizia uma postagem. Elaboram textos sobre o pobre que virou diretor de multinacional; e a mulher negra que entrou na universidade de prestígio internacional.
Eu nem acho que não se deve compartilhar e comemorar essas histórias de conquistas, entretanto, é necessário que seja acompanhada sempre de reflexões críticas. O país é racista; a meritocracia é ficção. A sociedade brasileira oferece poucas condições para que as pessoas negras evoluam profissional e socialmente. O racismo é um obstáculo intransponível, e seguirá os nossos passos mesmo que alguns de nós superemos a pobreza econômica, a invisibilidade profissional e não sejamos escolhidos pelas balas − supostamente − perdidas.
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