Issaka Maïnassara Bano tem ganhado notoriedade por promover ciclo de formações em literaturas africanas nas escolas da periferia de São Paulo e grupos de leitura na web. Em alguns desses encontros, o sociólogo já esteve com o DJ KL Jay dos Racionais MC ‘s e com a intelectual congolesa Prudence Kalambay, por exemplo.
Nascido no Níger, país da África Ocidental, o intelectual enxerga a estereotipação na visão que alguns brasileiros têm do continente africano e promove discussões por aqui em torno da realidade. Para o nigerino, a leitura e os diálogos em cima das obras das literaturas africanas precisam ser realizados de forma expandida, sem sempre repetir os temas: ancestralidade, oralidade e religiões de matriz africana, como pautas dominantes.
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“As obras de escritores e escritoras como a Chimamanda Ngozi Adichie, Alain Mabanckou, Léonora Miano, Ali Zamir e Yaa Gyasi também trazem outras realidades, como o aprofundamento das narrativas dentro de uma África culturalmente diversa e moderna. É claro que a gente deve sempre estudar e falar de ancestralidade, oralidade e religiões matriz africana, afinal de contas, elas são bases fundamentais para entender o continente, mas ao mesmo tempo eu acho que não dá para ficar o tempo todo só nisso, né?”, reflete.
Com movimentação extensa dentro e fora da academia, Bano traz também uma visão crítica sobre o debate circular que tem se perpetuado em torno do que os acadêmicos decidiram por ser um ideal de africanidade para os negros brasileiros. Segundo o estudioso, um continente do tamanho da África não pode ser tachado por meia dúzia de pautas. “Um tempo atrás, tinha uma menina que participou de um projeto comigo, e o sonho dela era chegar na Nigéria e conhecer os terreiros, aí quando ela chegou lá, não tinha terreiro, mas dezenas de outras outras coisas”, exemplifica o intelectual.
Debates sobre autores brancos costumam parecer um banquete para que acadêmicos se debrucem em variados temas dentro da construção narrativa dos personagens e sua época, o mesmo não valendo quando se trata de uma narrativa construída por um autor negro. Bano aponta para o reducionismo de interpretações quando se estudam autores africanos, ainda que dentro da obra se ofereça uma gama ampla de camadas a serem analisadas. Para dar mais um exemplo em cima da obra de Chimamanda, o nigerino cita “Hibisco Roxo” e “Americana”, que embora localizem seus personagens dentro da modernidade africana, continuam sendo obras interpretadas como uma ode à ancestralidade. “Às vezes sinto que as pessoas citam autores africanos sem ler, eu não sei. Se não tem o tema que eles querem que tenha, então forçam uma interpretação”, provoca Issaka.
Como exemplo da busca por se desvencilhar dessa unilateralidade nos debates sobre a África na literatura, Issaka cita o economista bissau-guineense Carlos Lopes que costuma dizer que “ essa África que o ocidente idealiza existe, mas vai muito além disso”.
Issaka também fala sobre um ponto caro aos pretos brasileiros que estudam os efeitos da diáspora no entendimento brasileiro sobre o que é a África: o conceito de Negritude. Ele explica que “negritude” foi cunhado pelo poeta e dramaturgo martinicano Aimé Césaire nos anos 30, mas para dissecar uma demanda daquele momento sobre a construção do que seria o negro. O Brasil abraçou com força a ideia de negritude, mas se tornou tão precioso que dificilmente se fala sobre qualquer coisa relativa ao negro sem invocar a palavra, mesmo que não se entenda o contexto em que ela foi criada.
“No final da vida, Aimé Césaire começa a fazer outras reflexões, propondo que a própria ideia de Negritude não é suficiente para dar conta de uma série de demandas. Ele explica que a negritude nasceu num período histórico que fazia muito mais sentido no momento, mas o mundo vai mudando, aí vem os anos 40, 50, 60, etc, os desafios contemporâneos e ele aponta que o conceito de negritude é insuficiente para lidar com as questões que enfrentamos no mundo atual”, conta Bano.
“De fato, é importante que tenhamos a oportunidade de aprender e refletir a partir de um olhar que provoque sair da zona de conforto mesmo dentro de um assunto que historicamente já é desconfortável. Que sejam conhecimentos que estejamos abertos a refletir todos os dias. Seria uma baita de uma polêmica propor uma reformulação disso, porque no Brasil é muito forte essa questão de Negritude, né? Aí eu pego e falo ‘vamos precisar de algo mais’, as pessoas vão falar ‘você tá maluco’. mas eu acho que tem que ter esse esse debate”, conclui Issaka Bano.
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