Texto: Ricardo Corrêa
Sendo direto e objetivo: os proprietários de supermercados não querem acabar com a perseguição de negros dentro de seus espaços, caso contrário isso já teria acontecido. E podemos incluir mais um monte de estabelecimentos comerciais com a mesma dinâmica racista. Não há desculpas que caiba para negar essa proposição. Eu nem me recordo qual foi a última vez que entrei em supermercados e não tenha constatado seguranças no meu pé (se é que existiu esse dia). Às vezes aparece uns à paisana simulando organização dos produtos na prateleira. Outros são tão desavergonhados que fingem ser clientes. Eu sempre intimo “por acaso você está me seguindo?”, “está achando que eu vou roubar?”, “se continuar me seguindo, vou te denunciar!”, “o patrão paga bem para você correr atrás de preto?” depois que despejo a minha indignação os caras somem. Mesmo assim não tenho dúvidas de que ainda me vigiam, porém, de longe.
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E não é somente os brancos que se colocam nesse papel racista, os seguranças negros reproduzem fielmente esse comportamento. Nenhum destes negros param para pensar que se “der ruim” são eles que responderão criminalmente. Esquecem que o peso da justiça é sempre maior para pessoas negras em comparação aos brancos. Além disso, ignoram que fora da atividade profissional, também são clientes negros e gostariam de ser tratados com respeito. Não pensam que seus familiares e amigos podem passar pela mesma situação em outros comércios.
O racismo brasileiro cravou no pensamento social a ideia de que as pessoas negras são inconfiáveis e com inclinação para cometimento de crimes. Isso alcançou o propósito racista, foram décadas de discursos, omissões e exposição de imagens nos livros de ficção e didáticos, nos programas de televisão, cinema e teatro, representando os negros de maneira negativa. Sem um trabalho intenso de reversão dessas subjetividades, continuaremos sendo o alvo não apenas nos supermercados, mas em outras dinâmicas nas relações entre negros e brancos. E nem quero entrar no mérito do racismo diretamente conectado a lógica capitalista que explora trabalhadores negros nesses espaços, refiro-me somente ao racismo que torna os clientes negros sempre suspeitos.
Pouco adianta ações antirracistas de alguns supermercados que acham que investindo em treinamentos para os funcionários tudo se resolve. Não é tão simples assim; e os empresários não são ingênuos, apenas se preocupam com a imagem do estabelecimento para não abalar os lucros. Quem não sabe que jamais se deve julgar o caráter pela cor da pele, pelos trajes que a pessoa veste? Isso é básico. Nem precisa gastar horas para dizer coisas simples. O psiquiatra e revolucionário Frantz Fanon escreveu “Em uma cultura com racismo, o racista é, então, normal” e a revolucionária Assata Shakur nos ensinou “Ninguém no mundo, ninguém na história, nunca conseguiu a liberdade apelando para o senso moral do seu opressor.” Nesse sentido, considerando que a sociedade brasileira nega o direito à existência digna das pessoas negras – há mais de quinhentos anos -, iniciativas antirracistas referente a cursos e treinamentos não têm capacidade por si só de resolver o problema enraizado na cultura. Além da sistemática perseguição, notícias de negros sendo torturados, assassinados, violentados dentro de supermercados não é incomum; recentemente uma mulher negra até ficou só de roupas íntimas como protesto para provar que não estaria roubando nada. Eu sinceramente não tenho nem ideia de como preservar a saúde mental sabendo que posso passar por situações constrangedoras.
Os empresários e donos desses estabelecimentos não tomam medidas eficazes, mas seguem sedentos pelo nosso dinheiro. Estão cientes de que os negros constituem a maioria da população brasileira. Por isso, nos últimos anos, investem em propagandas com famílias negras, homens negros, mulheres negras, jovens e crianças negras como isca para lucrar mais. Utilizam da ideia da representatividade para encher os próprios bolsos. Os negros devem rejeitar essas coisas simbólicas organicamente conectadas ao capitalismo. Vamos nos organizar e protestar radicalmente, cobrar medidas políticas de reparação e abolição dessa lógica racista dentro dos comércios. Eu trabalho na área de tecnologia e digo com conhecimento de causa que é possível implantar sistemas impossibilitando muita coisa que vemos ferindo a dignidade dos clientes negros. Enquanto não resolverem essas questões, elaboremos campanhas de boicote a esses estabelecimentos, de maneira massiva e coordenada, com todos os seguimentos engajados no combate ao racismo. Não dê dinheiro para quem não nos respeita!
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