Por Ricardo Corrêa
“Se é que temos o direito de renascer. Quero um lugar, onde o preto é feliz.“
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Lá vêm os brancos questionando a legitimidade moral e institucional que sustenta a comemoração da Consciência Negra e Zumbi dos Palmares, ocorrida anualmente no dia 20 de novembro. Desde que a celebração foi sancionada (Lei nº12.519), lidamos com eles choramingando. Acusam-nos de “racismo reverso”, reclamam que a distinção de “consciências” é absurda, porque “somos todos humanos”, além de outros argumentos repetidos em exaustão. Se considerarmos à risca as críticas, interpretaremos que as questões raciais não estão no campo político, mas dentro da área da biologia. Dessa maneira, erroneamente, ignoraremos que a dinâmica da sociedade é baseada nas relações hierarquizadas, em que o racismo define quem merece viver ou morrer.
O mais interessante é que nenhum branco aparece perguntando o porquê de as mazelas sociais atingirem a maioria da população negra, nem “movimentos brancos” se rebelando contra o sangue jorrando dos corpos negros, violentados pela polícia e civis racistas, ou cobrando os governantes a praticarem políticas radicais que eliminem as desigualdades raciais existentes em todos os espaços da sociedade. Estou achando que nessas situações a frase “somos todos humanos” não inclui a população negra. Essa deve ser a manipulação que os brancos fazem sem expressar publicamente.
Ironias à parte, a real é que eles acostumaram-se tanto com o protagonismo que se incomodam quando as conquistas dos movimentos negros não esmorecem e alcançam visibilidade. Mas, independente do inconformismo deles, lutamos! Os negros devem ter a consciência de que é mais proveitoso que discutamos como enfrentar as violências racistas institucionais, como reverter os retrocessos políticos que tivemos nos últimos anos, as experiências vitoriosas, o cuidado com a saúde mental dos negros, as maneiras de difusão da história e cultura do povo negro, a manutenção do legado de Zumbi dos Palmares e as demandas das comunidades quilombolas, entre outros temas. Não podemos dar ousadia aos que só querem tumultuar a nossa celebração.
Mas, se os brancos insistirem nas críticas, priorize o “privilégio branco” como pauta. Nunca será demais colocá-los contra a parede acerca dos benefícios que gozam, e explicitar os problemas que isso acarreta ao nosso povo. E não deixe eles se esquivarem utilizando o argumento relacionado à classe econômica − sob essa ótica, somente os ricos têm privilégios. Explique com exemplos. Diga que por causa da subjetividade moldada pelo racismo, os negros carregam a preocupação na disputa de uma vaga de emprego, pois sabem o risco de perder a disputa para um branco medíocre; nas entrevistas começamos em desvantagem independente da qualificação profissional. Conte também que os negros precisam de atenção redobrada quando entram em supermercados. As nossas vidas podem ser ceifadas com um mata-leão de algum segurança racista, ou deparar com alguém nos perseguindo pelos corredores do estabelecimento como se fôssemos praticar furtos. Portanto, não é − somente − sobre a situação econômica dos negros, estamos denunciando o privilégio branco, existente na subjetividade, que antecede o campo concreto.
Ademais, não percamos de vista que nos conectamos pela história, desde o primeiro africano escravizado neste país. Nós somos o alicerce carregado de sofrimento e resistência. E, termino este texto com uma importante reflexão do revolucionário sul-africano Steve Biko (1946-1977), idealizador do movimento da Consciência Negra, na África do Sul: o chamado para a Consciência Negra é o apelo mais positivo que surgiu de qualquer grupo do mundo negro durante muito tempo. Esse chamado é mais que uma rejeição reacionária dos brancos pelos negros. Em última instância, constitui a compreensão dos negros de que, para se saírem bem nesse jogo de poder político, eles precisam utilizar o conceito de poder grupal e dotá-lo de um sólido fundamento. Uma vez que se trata de um grupo deserdado e empobrecido histórica, política, social e economicamente, dispõe da mais consistente fundamentação, para, a partir dela, agir. A filosofia da Consciência Negra, portanto, expressa o orgulho grupal e a determinação dos negros em se erguer e conseguir a autorrealização desejada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei 12.519 de 10 de novembro de 2011. Institui o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20
11-2014/2011/Lei/L12519.htm>. Acesso em: 13 nov. 2022.
BIKO, Steve. Escrevo o que eu quero. São Paulo. São Paulo: Ed. Ática, 1990
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