Por Jonathan Raymundo*
Como sempre afirmo o racismo não é FUNDAMENTALMENTE um problema de educação. Pessoas muito bem instruídas operaram a escravidão, o nazismo e o fascismo. O exercício da escravidão e colonização negra inclusive foi afirmado como um direito e um dever moral dos povos brancos “civilizados”, ou seja, por serem educados deveriam colonizar. Racismo tem a ver com poder, com a capacidade de definir a realidade, para que esta trabalhe para a raça dominante. Podemos também defini-lo como uma tecnologia social que estrutura cada detalhe da vida social fazendo com que tudo se mova em benefício do branco.
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Economia, política, educação, cultura, território, tributação, sistema jurídico, força militar, tudo para manter o branco na posição de poder. Racismo é um fenômeno Histórico que surge e se desenvolve na concretude das relações entre os diferentes povos em um determinado território e tempo. O que significa dizer que cada dinâmica de domínio racial possui suas especificidades. O Racismo no geral surge como um mecanismo inventado pelos brancos para garantir em cada situação concreta o privilégio e a manutenção genética de seu grupo étnico, uma tecnologia que se adapta, se move, se transforma a fim de cumprir seu objetivo. É importante afirmar isso porque quando o Racismo parece recuar, ele esta na verdade, se reestruturando. Do poder não se abdica, poder se exerce. Aí está a grande jogada do discurso do Tiago Leifert, pois é só na aparência que ele constitui um avanço. O jornalista Manoel Soares desvendou em uma conversa parte da armadilha no papo do apresentador. “Ele ficou tendo que criar justificativas nobres para respeitar o cabelo do cara. Eu não quero que meu cabelo seja respeitado porque ele é um símbolo, porque ele é uma coroa. Eu não quero que meu cabelo seja respeitado por ser uma referencia. Eu quero que você me respeite e ponto. Porque se cada parte do meu corpo pra ser respeitado tiver que fazer um discurso de significação… eu preciso tornar parte do meu corpo algo divino, algo simbólico para que você respeite.”
Ao refazer parte da história das lutas negras para justificar um simples gesto de civilidade, o que parece ser um avanço é apenas um: “cara, eles lutaram muito, vamos ao menos dar o mínimo que é o respeito”. Na fala do Tiago o mínimo, o básico, o mais sorrateiro ao que tange nas dinâmicas de convivência se torna a mais elogiosa das tarefas. Para nós fica a sensação de que depois de 520 anos de processo colonial no Brasil, com as taxas de desigualdade e de genocídio devastadoras, temos quase como obrigação moral agradecer e se emocionar pelo “respeito do homem branco”, que para tal precisou revisitar toda a história de resistência de um povo. Assim, o crime e as responsabilizações que o ato de racismo (aliás, palavra jamais mencionada) deveria exigir, se desfazem em choros, pedidos de desculpas poucos convincentes.
O racista não é responsabilizado, o seu ato é minimizado e assim os atos de todos os racistas o são. Errado estará o negro que não tiver a paciência do branco Tiago e exagerar ao exigir a lei. Aliás, “ele é alguém do interior coitado, quase uma criança ingênua, sem intenções, sem consciência, sem responsabilidades”. Tiago ainda consegue ao mesmo tempo em que esta falando do Apartheid e das brutalidades operadas pela supremacia branca nos EUA, chamá-lo de a “terra mais livre no mundo”. Consegue fazer isso ao analisar o passado e em um presente que crianças imigrantes estão em jaulas e negros são abatidos em plena luz do dia só por ser quem são. Como uma fala que esquece esses fatos seria por nós? O racismo vira “ação ingênua” e o epicentro da supremacia branca global vira a “terra da liberdade” e o crime, a violência se resolve com abraços. Racismo como o crime perfeito para lembrar Kabengele Munanga. Enfim, em nossos ouvidos sussurram as palavras do nosso ancestral Malcolm X: “Os brancos podem ficar do nosso lado nas questões pequenas, mas jamais nas fundamentais”. Se a frase de Malcolm esta errada a nossa consulta é a História. Tal como ninguém exigiria de uma mulher estuprada que confie novamente, que assuma a tarefa de convencer o estuprador da violência exercida e que o perdoe, porque acham que nós negros devemos ter paciência, compreensão, explicação a oferecer a quem nos violenta? Como diria Aziza Gibson-Hunter: “Racismo é o fogo aceso pelos, europeus, a nossa resposta é apenas a fumaça e embora os liberais a teriam de outra forma, não há meio de extinguir um incêndio sem experimentar a fumaça”.
Professor de História e Filosofia. Palestrante. Escritor. Produtor cultural. Criador e Organizador do @wakandainmadureira
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