Não é novidade que a relação da mulher negra com seu cabelo raramente inicia sendo das melhores: a ditadura do liso como única alternativa, as piadas racistas, o bullying e a falsa ideia de um “cabelo ruim” ou “cabelo difícil”. Quantas de nós maltratamos nossos cabelos até que não sobre alternativa além da transição capilar seguido do big chop (grande corte) – sem contar aquelas que passam por esse processo mais de uma vez.
Aquela velha história do racismo que nos fez odiar nossos traços e o nosso crespo/cacheado está incluindo nisso. A falta de representatividade nas novelas, o padrão de beleza imposto de mulher branca, magra e lisa, bem como a ausência de produtos específicos para cabelos cacheados e crespos corroborou por anos a afiliação de possuir um cabelo afro. Nos fez acreditar que possuir um cabelo afro era sinônimo de desleixo, desarrumação ou dificuldade. Como se fosse inerente aos crespos e cachos estar sendo preso. Mentiram para nós por anos. E nós, infelizmente, acreditamos.
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Hoje em dia, para algumas mulheres negras, está mais fácil aceitar os cabelos de raízes e texturas mais grossas, mas houve um tempo em que corríamos para diversas soluções para simplesmente escondê-los.
É claro que podemos usar nosso cabelo da forma que nos sentimentos mais confortáveis, box braids, lace, twists, nagô e até alisados, encontramos diversas versões e mantemos a que nos faz radiar. Mas, o ideal é entendermos o porquê de não nos sentimos confortável justamente com a forma original dele, o que está por trás disso já sabemos e o importante é que mesmo que indiretamente cada vez mais mulheres negras estão aceitando suas versões originais e ganhando confiança para aderir outras.
Porque cabelo de negro não é só resistente
É resistência. (2016, p.11). Mel Duarte
Enquanto mulheres negras, nosso cabelo fala mais por nós do que imaginamos, quando estamos acanhadas, ele mostra presença e deixa recados, através de algumas versões além de contar nossas histórias, ele conta a de nossos antepassados. Já passou a época em que nos envergonhávamos dele, hoje eu arrisco dizer, que o cabelo da mulher preta é o que mais lhe dá orgulho.
No mês de novembro, a nossa intenção é contemplar a beleza de mulheres negras, crespas, cacheadas, trançadas, em transição, carecas, das laces e quantas mais versões de nós existir. Porque a nossa beleza é plural, para isso conversamos com algumas seguidoras do Mundo Negro, para saber a atual relação com seus cabelos.
Para as crespas:
Por muito tempo o cabelo crespo foi diminuído “cabelo duro, cabelo ruim, bombril” eram apelidos usados pelos racistas para nos ridicularizar e fazer com que odiássemos nossos traços, porque eles sabiam que desde o momento que olhássemos nosso crespo com outros olhos e notássemos a potência dele, nada mais poderia nos ofender. O cabelo crespo é resistência, foi por muito tempo o caminho que guiava nossos ancestrais e a história que o cabelo crespo carrega é do trajeto para nossa liberdade! Por isso, devemos nos gabar dos nossos crespos, sim e ter muito orgulho dele!
“Tenho muito orgulho, por conta de todo preconceito que já enfrentei por conta do meu crespo. Hoje em dia aceitar ele do jeito dele é uma superação. Eu levei 30 anos para aceitar meu cabelo natural e hoje em dia não trocaria por nenhum outro cabelo do mundo” contou a seguidora Viviane @vivifragoso
Para as alisadas:
Há um mito de que a mulher negra precisa usar o seu cabelo natural, independente se prefere de outra forma ou não. Mas acontece que a mulher negra pode usar o seu cabelo como prefere e se sente bem, e não deixará de ser negra por isso, como já dito o importante é entender o que está por trás do “não gostar do natural” e trabalhar em cima disso. Mas nós não saímos da ditadura do liso há alguns anos para entrarmos na ditadura dos cachos a essa altura.
“Entendo que mesmo sendo negra meu cabelo pode ser uma referência mesmo não utilizando ele de maneira natural.” Contou nossa seguidora, Morgana Tays (@morganatays8)
Para as em transição:
Estamos juntas! Muitas mulheres negras se sujeitam as químicas desde cedo, e nós sabemos o quanto o processo de transição capilar pode mexer com a gente, o famoso dia de lutas e dias de glória. Um dia acordamos feliz com mais um cachinho que se formou e no outro estamos indignadas com uma parte que não cacheia de jeito nenhum, mas ainda assim, o processo é de muita descoberta!
“O processo de transição capilar me abriu portas para o autoconhecimento e aceitação. Eu vivia inserida na cultura branca, (…) a falta de representação negra com cabelos cacheados e crespos nesse mundo fazia com que eu não me aceitasse da forma que sou, principalmente na questão com meus cabelos. Foi quando decidi passar pelo processo de transição capilar, pesquisei muito, conversei com muitas pessoas e decidi iniciar essa caminhada. Certamente foi a melhor escolha que fiz, estou há quase um ano e pude me conhecer como nunca antes. Durante esse processo, conheci pessoas como eu que me inspiram e me interessei em buscar artistas e personagens que me representassem também. O processo de aceitação não é do dia para a noite, mas posso dizer que a transição tem me ajudado de forma diária a buscar o melhor de mim, a me olhar no espelho e aceitar os meus cachos cheios como são.” Contou nossa seguidora Nicolle Moraes (@transicaodanic)
Para as trançadas:
As tranças – de seus variados modelos – são um grande símbolo de resistência. É histórico e, sobretudo, cultural. Grande símbolo de nossos ancestrais que utilizavam das tranças para diversas situações.
“Usar trança pra mim sempre foi muito além de só um estilo, trança sempre foi identidade. Graças à elas, consegui me libertar do cabelo alisado, graças a elas recuperei minha autoestima e me empoderei. A minha relação com as tranças sempre foi algo além, é uma sensação de poder, de autoestima, de força… quando me vi de box braids pela primeira vez foi um misto de sensações que nem sei explicar. Botei na minha cabeça que ia aprender a trançar meu próprio cabelo, tentei, tentei até que consegui e hoje em dia trabalho com isso. É maravilhoso, ajudar mulheres negras, aumentar a autoestima delas como a minha foi aumentada, parece que eu volto em 2015 e me vejo em cada reação das minhas clientes ao se ver no espelho. Acredito que tenho um dom ancestral e me orgulho dele.” Declarou a seguidora e trancista, Flávia Trindade (@ffflav)
Para as carecas:
A liberdade capilar também estar em não ter cabelos! Sim! Podemos raspar nossos cabelos e não seremos menos femininas, tampouco menos negras. A liberdade capilar de escolher ser e estar como queremos. Às vezes o ato de raspar o cabelo traz uma força inimaginável para a mulher preta. Além de ser super estiloso!
“Ter meu cabelo curto para mim significa coragem, significa não me basear em padrões, significa acordar pronta, significa me ver no espelho (já que não tenho cabelo para “me esconder”), significa olhar para o meu rosto e pensar: “como sou linda”, significa mostrar às meninas que elas podem ter o cabelo que quiserem, significa mostrar que a beleza não se resume num cabelo.” Desabafou a seguidora, Jade Lima (@jadels100)
Muitas versões né, e tudo isso para mostrar que somos quem queremos ser e somos lindas de todas essas formas, por isso, abrace as suas versões e tire o melhor delas!
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