Por: Paulo Alexandre Roscoe*
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Você é um “negão” da cor do pecado, com certeza é dotado e bom de cama! Tenho fetiches por negão! Sempre fui a fim de ir pra cama com um negão! Nossa imagino esse negão na cama deve fazer um estrago! Deve ter a pegada esse negão, sem sombra de dúvida.
Pode parecer engraçado para alguns, ou até mesmo clichê, ou ainda uma recordação da música de Alcione – Meu Ébano, mas sabia que isso é comumente escutado pelos homens negros seja eles heteroafetivo ou homoafetivofetivo.
Do ponto de vista da tutela da construção social de raça, o negro do gênero masculino, carrega uma carga negativa neste contexto, e certas definições que antes mesmo dele se auto conhecer, já estão estipuladas pelos outros. Basta um pouco de pesquisa e estudo, para saber que desde os tempos sombrios da escravidão o negro, foi categorizado como objeto e um ser dominado, que está ali para realizar certos trabalhos, dentre eles os braçais, de forvça e lavroura, ou ainda o absurdo de satisfazer a lascivia dos seus dominadores.
O antropólogo Dr.Osmundo Pinho – Mestre e Doutor em Ciências Sociais, em seu brilhante artigo “Qual é a identidade do homem negro?”, nos afirma que: “O corpo negro masculino é fundamentalmente corpo-para-o-trabalho e corpo sexuado. Está fragmentado em partes: a pele; as marcas corporais da raça (cabelo, feições, odores); os músculos, ou força física; o sexo, genitalizado dimorficamente como o pênis, símbolo falocrático do plus de sensualidade que o negro representa e que, ironicamente, significa sua recondução ao reino dos fetiches animados pelo olhar branco”.
Me recordo como se fosse ontem, próximo dos meus 22 anos, uma grande amiga me disse numa conversa, onde falávamos amenidades, que eu como negão deveria ser bom de cama, e que varias mulheres deviam “se atirar em cima de mim”, eu estranhei a afirmação e deixei claro que para a mesma que eu era homoafetivo, ela mesmo assim insistia em dizer, então os homens “se atiram em cima de ti”, onde complementou como um negão deste gay, é um desperdício, imagina só.
Acontece que mesmo tendo anos de amizade, ela sequer detinha conhecimento de outros relacionamentos prévios meus, ou relacionamentos duradouros em que ocorreu a apresentação do meu companheiro a ela, ou sequer tinhamos “ficado”, ela simplesmente deduziu que pela minha cor, e pelo meu porte físico e tamanho (tenho 1,86 de altura), que eu deveria ser bom de cama no sentido violento e agressivo, como nos filmes pornôs em que os estereótipos de negros sejam eles heteros ou gays, são os bons de cama e tratam com agressividade seus parceiros(as), quase um ato animal sem afeto, agindo com um impulso sexual sem qualquer racionalidade.
Eu mesmo já fui hipersexualizado, e usado como “troféu” para um ex-relacionamento onde eu era o “nossa amigo, tirou a sorte grande, olha esse negão que você está namorando” antes mesmo de saber possivel qualidades, minha cor, meu corpo foi sexuado e usado como objeto de ganho e mérito para outros, que sequer conhecem minha história.
A questão problemática, que me faz voltar ao início do texto, e ao grande questionamento deste texto, seria da objetificação do negro, a transformação do afeto em mero objeto de prazer alheio, sem qualquer pensamento no outro, apenas no prazer daquele que transforma o outro em objeto
Imaginem se eu fosse um homem cisgênero hetero branco, sequer precisaria estar redigindo este texto acerca da hiperssexualização do meu corpo, ou da inevitável naturalização da objetificação que os corpos negros sofrem para satisfazer as fantasias sexuais dos brancos, e nos tornamos o troféu sexual que eles ostetam muitas vezes por ai.
Podemos ainda tratar isso de uma maneira bem simplória, onde é fato comum é de conhecimento de que os homens brancos exercem, com todo direito, sua sexualidade e seus desejos sem que aquilo os categorize emocionalmente, intelectualmente e/ou sexualmente o transformem em mero objeto de desejo e realizador de fantasias das demais pessoas.
A classica hipersexualização, está presente no dia a dia e de certas maneiras são as mais sutis, para que sejam naturalizadas e passem a certos olhos e ouvidos desapercebidos, em especial basta vermos que a maioria dos “modelos negros estão usando sungas brancas, com o proposito de marcar seu orgão genital” e “ativar” a imaginação sexual dos seus visualizadores, visando chamar atenção e focar na sexualização ao extremo do corpo negro.
A Hipersexualização dos corpos negros, inibem ou ainda me atrevo a dizer reduzem o exercicio da sexualidade ou da possibilidade da pessoa se mostrar sem pré-julgamentos sexuais em sua plenitude ser transformado em objeto, tirando-lhe a capacidade por óbvio de amar seu corpo, sem amarras e sem relfexos e consequencias de julgamentos que sequer deveriam existir.
O simples fato de “postar uma foto” de sunga, lhe retira toda a sua capacidade intelectual negra, seu conhecimento se reduz, lhe é decotado a possibilidade de ser um homem negro pensante, e lhe extrai ainda a capacidade de ser um humano emocional, para lhe dar uma classificação de objeto sexual visando a satisfação do imaginário branco e suas fantasias com os corpos negros, na qual insistem em trazer a tona, de maneira ainda que me atrevo a dizer bem perversa e retoma a mentalidade colonizadora de sermos “escravo para satisfazer seu prazer” e não a visualização do outro como um humano.
Muito embora, a hiperssexualização é na verdade um problema de quem o faz, não de quem se mostra, de quem se sente bem com o próprio corpo, mas está confortável em sua própria pele, nem sempre somos capazes de visualizar desta maneira, por sermos ensinados muitas das vezes em que nossos corpos são “públicos”.
Trazer para a reflexão acerca do que é a beleza, estética, atributos físicos é um exercício extremanente relevante e necessário para o entendimento que levam quaisquer seres humanos a projeções imagéticas de sexualidade propia e do outro, além do erotismo contido. Tais projeções ainda ajudam a termos um pouco do entendimento onde sobrevoam questões de onde o corpo negro masculino fora construído socialmente por meio da erotização e objeto de desejo dos brancos.
A necessidade do homem negro, ao meu ponto de vista no debate é de fato entender que ele não tem nenhuma necessidade de se encaixar nos estereótipos criados pela sociedade, ou aqueles criados para satisfazer as fantasias dos brancos, e que ele pode ir além da questão sexual e afirmar sua sexualidade na totalidade da forma que lhe achar melhor e mais conveniente, sem receio de ser objetificado para atender os desejos, e entender que está tudo bem se amar, gostar de seu corpo, sem préjulgamento ou necessidade de aprovação.
É necessário que todo o restante do conjunto que engloba o meio de convívio, seja dele de contato direito ou não, ter a capacidade de observar que não somos apenas um corpo sexuado, ou objeto para a satisfação de seus desejos, mas sim homens por inteiros, pensantes, racionais, e com emoções que devem ser respeitadas e não reduzidas ao falo.
Então fica o convite, qual foi a ultima vez que você homem negro, se viu como pessoa que você enxerga aos seus olhos, e não com os olhos dos objetificadores que o transformam em saciador de suas fantasias?
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Paulo Alexandre Roscoe é Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, e Pós Graduando em MBA em Gestão de Recursos Humanos pela IBF. Atuando em Direito do Trabalho, amante de pesquisas científicas relacionadas a racismo, intolerâncias, e escravidão contemporânea e nos ultímos 03 anos, transitou em sua carreira atuando com Customer Success e Brandings para maior contato com público. Sempre em busca de novas e melhores maneiras de fazer a diferença, tem estudado e focado em ações anti-racista, busca e valorização pela ancestralidade, e conexão com a diaspora africana,e na luta contra o racismo.
Nas horas vagas, gosta de praticar esportes, corrida e AMA cinema, movido pela música, acredita que pode mudar o estado de espírito das pessoas, e valorizar o sagrado afroancestral e ajudar as demais pessoas.
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