Uma mulher negra que ficou milionária vendendo pipoca. A afirmação, apesar de verdadeira, não faz jus ao talento, visão sagaz de negócios e tendências, muito estudo e uma resiliência típica de quem vem de uma origem socioeconômica onde o sucesso é um grande desafio para profissionais com o perfil de Elaine Moura. A chef de Goiás, que começou sua experiência na área da gastronomia aos 12 anos, fazendo doces com frutas do pomar de sua casa e vendendo aos vizinhos, hoje é milionária graças à sua marca Popcorn Gourmet, um negócio que faturou R$ 18 milhões em 2023.

Iniciada em 2014 em Goiânia, a empresa expandiu rapidamente e adotou um modelo de franquias que hoje conta com mais de 60 unidades e parcerias importantes, como com a Nestlé. “Firmamos essa parceria com a Nestlé homologando alguns dos nossos produtos, alguns sabores de ingredientes deles. E isso trouxe muita potência para nós enquanto marca”, afirmou Elaine. Em 2023, além do faturamento das franquias, a Popcorn Gourmet alcançou 3 milhões em vendas diretas em canais de varejo.

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Além de sua atuação na Popcorn Gourmet, Elaine é uma das fundadoras do Entre Raizes, um movimento de empreendedoras e executivas pretas, e sócia da Pop Chef nos EUA. Sua trajetória de sucesso não se limita ao Brasil, mas também se estende internacionalmente. Elaine também é jornalista e grava conteúdos para outras marcas, utilizando sua expertise para inspirar e educar outros empreendedores.

Em uma entrevista exclusiva para o Guia Black Chefs, editoria do Mundo Negro com foco em gastronomia, Elaine fala sobre sua carreira, dá dicas de negócios e conta alguns detalhes sobre o que fez a Popcorn Gourmet ser uma das maiores empresas do ramo no Brasil. 

 Sobre mulheres negras, ela deixa um recado: “Para as meninas pretas que pretendem se desenvolver em suas áreas como executivas ou empreendedoras, acho que não tem outro caminho para nós a não ser estudar muito.”

ELAINE, SUA TRAJETÓRIA NA GASTRONOMIA COMEÇOU INSPIRADA PELA SUA FAMÍLIA. COMO VOCÊ TRANSFORMOU ESSA INSPIRAÇÃO INICIAL EM UM NEGÓCIO DE SUCESSO? QUAIS FORAM OS MAIORES DESAFIOS NO INÍCIO DA SUA CARREIRA COMO CHEF E EMPREENDEDORA?”

Sim, o início da minha carreira tem total ligação com a minha família. Eu sou neta de cozinheiros e a minha vida toda foi pautada em volta do fogão e essa inspiração começou dentro de casa. Eu tenho uma mãe que é muito caprichosa, com todos os detalhes. Foi sempre uma dona de casa muito zelosa, muito zelosa com a família, com os filhos e muito afetuosa. E quando eu comecei a empreender, eu trouxe muito esses valores, esses cuidados com os detalhes que eu aprendi dentro de casa, que eu entendi enquanto respeito com o alimento. E eu sempre levei isso com muito valor, com muito peso. Então, empreender para mim sempre foi uma relação de ganha-ganha. Eu tinha que ganhar desse meu cliente, desse meu consumidor, mas eu tinha que entregar algo de excelência com a qualidade que eu estava prometendo para eles. Então, quando eu entendi um pouco desse jogo dentro do empreendedorismo, eu vi tanto que essas bases surgiram dentro da minha casa e dentro de uma simplicidade enorme, por ser neta de cozinheiros. 

Minha avó foi merendeira de uma escola pública, então dá pra entender o nível de simplicidade do negócio. E eu comecei a empreender com 12 anos de idade, quando eu comecei a fazer doces com as frutas do pomar da minha casa e comecei a vender para os meus vizinhos. E ali eu já comecei uma prática desse exercício do empreendedorismo, sem saber o que era, na verdade, mas eu vi lucratividade nisso. Depois, já na vida adulta, eu fui fazer vários cursos do Sebrae para entender de negócios, de precificação, de posicionamento de marca, de produto, e assim, 14 anos depois que eu abri meu CNPJ, surgiu a ideia da Popcorn Gourmet para ser uma sobremesa do meu antigo buffet. Eu tive um buffet em Goiânia por 19 anos, então eu criei uma sobremesa autoral para o meu buffet para presentear aos clientes. Era uma forma de agradecimento das assinaturas de contrato e os clientes começaram a me pedir depois para comprar essas pipocas porque eu fiz pipoca de um jeito distintivo. Eu fiz com muito zelo, eu fiz com muito carinho, eu fiz com muito cuidado, eu embalei com muito afeto e os clientes percebiam todo esse cuidado na elaboração dessas embalagens, desse sabor, da seleção de ingredientes. Isso tudo foi validando o produto. E em 2015, que foi um ano depois, eu fui convidada para ser Chef da Casa Cor e lá eu lancei a marca em definitivo, montei uma food bike no estilo parisiense e coloquei promotores ali fazendo degustação em tempo integral, e as pessoas entendiam que o sabor era incrível, mas a experiência entregava muito, então nasceu aí a Popcorn Gourmet que no futuro virou franquia.

A POPCORN GOURMET SE DESTACOU PELA INOVAÇÃO NA PRODUÇÃO DE PIPOCA GOURMET. PODE NOS CONTAR MAIS SOBRE O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DO PRODUTO E COMO VOCÊ CONSEGUIU MANTER A CROCÂNCIA E QUALIDADE SEM USAR CONSERVANTES?

A Popcorn se destacou pelo produto, pela receita, pela técnica que foi criada e elaborada para esse produto. O trabalho de pesquisa e desenvolvimento foi um trabalho árduo. Eu fiquei mais de um ano com um time interno, um time na minha área de confeitaria do buffet, desenvolvendo processos, testes, possibilidades, ingredientes. A gente sempre fez a seleção dos melhores ingredientes que a gente encontrava. Então, melhor milho, melhor chocolate, várias texturas de chocolate, variações de percentual de cacau nesses chocolates. Então, foi um trabalho árduo de acertos e erros, mais erros do que acertos, até chegar nessa crocância, nesse tamanho, porque a Popcorn é gigante, ela é redonda, ela é feita com milho especial tipo americano, que dá esse formato arredondado, mas não é só isso, é a técnica que a gente desenvolveu para a maior expansão do produto. A pipoca fica gigante e através de uma panela que nós desenvolvemos, desenhamos e executamos, que nada mais é do que uma pipoqueira gigante que trabalha com velocidade de pressão e calor ao mesmo tempo, que faz essa expansão da pipoca ser maior e ficar mais uniforme. A gente seleciona uma a uma, é um trabalho muito artesanal de selecionar a pipoca que ficou perfeita para poder ganhar ali a saborização, ganhar caramelo, ganhar chocolate, ganhar os ingredientes que dão sabor a esse produto e a gente trabalha com, além da qualidade dos produtos, ingredientes de verdade. Então a gente não usa nada para impulsionar o sabor, nada artificial, a gente não usa corante, a gente não usa conservante, então assim, uma pipoca que a gente chama de chocolate trufado, ela tem chocolate, ela tem cacau em pó, ela tem ingredientes de verdade. Então, o cliente percebe a textura, o cheiro, o visual, a qualidade dos ingredientes ali, tornou de fato essa fórmula num produto único, em um produto distintivo. Eu sempre bato nessa tecla do distintivo, que é você ter uma fórmula que as pessoas conseguem olhar e entender o quão diferente ele é e a complexidade de replicar algo igual. Então, a gente sabe quando é Popcorn Gourmet, quando é outra marca, óbvio que a gente já foi super copiado no mercado, mas as pessoas não conseguiram desenvolver um produto com a qualidade e com as características que nós desenvolvemos, que é justamente um shelf life muito prolongado, que é ter uma pipoca crocante por muito mais tempo e deliciosa, preservando as características dos sabores, dos ingredientes. A gente já criou vários sabores, por exemplo, pipocas com frutas. E são frutas de verdade, tipo pipoca de morango, pipoca de açaí. A gente usa esses ingredientes in natura e a gente leva eles por uma técnica de liofilização que os transforma em pó para que a gente saborize as nossas pipocas. Então, o gosto do morango é muito intenso, o gosto do açaí, que é 100% natural, é muito intenso. A gente faz um blend de sabores aí para ficar agradável ao paladar do nosso consumidor e a característica visual também ser atrativa. E a gente tem resultados realmente muito incríveis dos nossos produtos.”

COMO UMA MULHER NEGRA, QUAL FOI O IMPACTO DA REPRESENTATIVIDADE NA SUA JORNADA EMPREENDEDORA? QUE CONSELHOS VOCÊ DARIA PARA OUTRAS MULHERES NEGRAS QUE DESEJAM EMPREENDER NA ÁREA DA GASTRONOMIA? 

Eu, enquanto mulher negra, periférica e empreendedora, digo que os desafios ainda acontecem; eles são diários e se repetem. No começo, a jornada foi muito mais difícil porque acreditar nessa menina periférica e preta não era algo comum. Então, eu tinha que me esforçar muito mais do que as outras pessoas, provar minha capacidade intelectual, técnica e de compromisso. Enfim, meu esforço tinha que ser maior, e eu já sabia desses desafios, pois minha família já tinha me preparado para eles. 

Sempre fui muito esforçada e me dediquei muito para provar o quanto eu era competente e capaz. Estudar muito foi o que me colocou nos lugares que cheguei. Sou muito curiosa, atenta aos detalhes e me tornei especialista naquilo que estou fazendo. Tornei-me especialista no meu produto, em franquias e hoje sou palestrante também neste tema. Tenho um olhar muito mais apurado para a diversidade porque senti na pele o que é ser discriminada, quais são as dificuldades e as barreiras que as mulheres pretas enfrentam. Sou muito acolhedora com todo esse universo de diversidade em todos os âmbitos dele, não só com mulheres pretas, mas é óbvio que levanto mais a bandeira para mulheres pretas. Quero me aproximar muito mais delas, então trago muitas meninas pretas para atuarem no meu negócio, tanto nos cargos de liderança quanto como franqueadas. 

Tenho feito uma comunicação intencional e assertiva para trazer franqueadas pretas para o meu negócio, com condições especiais, é óbvio. Quero, de fato, que meu ecossistema seja fortalecido e preciso começar a criar condições para que essas coisas aconteçam. Deixando um recado para as meninas pretas que pretendem se desenvolver em suas áreas como executivas ou empreendedoras, acho que não tem outro caminho para nós a não ser estudar muito. Ainda temos que provar muita coisa para as pessoas e precisamos ser acima da média. Para ser acima da média tem que se esforçar bastante mesmo, se empoderar, falar com propriedade do seu tema, se esforçar muito e não é glamurizar ou glitterizar o empreendedorismo feminino, porque ele já tem barreiras muito estruturais, que sabemos que existem e estão nas sutilezas dos olhares, nos sustos que as pessoas têm ao nos encontrar. 

Recentemente, dei uma palestra para uma universidade e um aluno verbalizou que se assustou ao me encontrar enquanto CEO do grupo Popcorn Gourmet, um grupo que fatura milhões, que internacionalizou, que virou franquia, que rompeu várias barreiras do empreendedorismo. Quando ele me viu, como uma mulher preta, ele levou um susto, porque sabia que era mulher, tinha lido o nome, mas esperava uma mulher branca e loira. Essas sutilezas do racismo estrutural, nós vamos enfrentar, essas meninas vão enfrentar e precisam fazer isso com a cabeça erguida, com

RECENTEMENTE, VOCÊ FIRMOU UMA PARCERIA COM A NESTLÉ, O QUE TROUXE NOVAS OPORTUNIDADES PARA A POPCORN GOURMET. COMO VOCÊ IDENTIFICA E ESCOLHE PARCERIAS ESTRATÉGICAS QUE BENEFICIAM SEU NEGÓCIO?

A gente firmou essa parceria com a Nestlé homologando alguns dos nossos produtos, alguns sabores de ingredientes deles. E isso trouxe muita potência para a gente enquanto marca, porque a gente é auditado pela Nestlé. Então vem a Nestlé International para auditar o meu processo de fabricação, o meu processo de qualidade, o meu processo de produção. E com isso, a gente enquanto indústria, a gente ganha muito, porque os ISOs e as exigências de uma multinacional, elas têm uma régua muito mais alta. Isso faz com que o meu time se alinhe, que a gente crie processos de qualidade com muito mais performance do que a gente fazia sozinhos. Eles facilitam, eles mostram novos caminhos e novas oportunidades. Eles olham muito para a sustentabilidade, que é um olhar muito importante para a indústria, que é não só de preservar o meio ambiente, que é o primeiro, é o primordial, mas também de ver oportunidades dentro dessa cadeia, de utilizar alguns recursos que em outra ocasião poderiam ser descartados. Nós desenvolvemos vários subprodutos da pipoca que não fica perfeita, que ela vira uma farofa, da pipoca que não tá tão bonita, que vira um preparo para milkshake, ou para cappuccino, ou para frappés. Então a gente criou vários subprodutos com essas mentorias e essas auditorias que a gente recebeu, isso facilitou um pouco o nosso processo de fabricação. E são marcas muito potentes que eles homologaram para que a gente utilize nas nossas comunicações, nas nossas embalagens, em todo o visual. Então hoje eu tenho o melhor Ninho trufado. 

A marca Ninho Nestlé é muito forte, muito potente e muito vendedora. Isso abriu portas pra gente, dentro do varejo, colocar o produto no supermercado. A própria franquia ficou muito mais bem posicionada, criou uma distância do mercado de franquias, no que tem hoje, no que existe hoje, no mercado de franquias de pipocas. A gente criou o feito com Alpino, que é um chocolate muito consagrado da Nestlé também, que tem um sabor muito característico e é um chocolate muito gostoso. Então tem uma pipoca de chocolate Alpino. A gente criou o feito com Sensação, que é aquela misturinha de chocolate com morango, então é uma pipoca bem crocante, que tem um gostinho, retrôzinho, azedinho ali do morango, que é uma delicinha. As pessoas amam muito esse sabor e são marcas muito emblemáticas da Nestlé, marcas já consagradas, marcas que o público já bate o olho, reconhece e consome, e com certeza abrem portas para a gente para várias oportunidades com a marca.”

QUAL CONSELHO VOCÊ DARIA PARA PEQUENOS EMPREENDEDORES QUE ESTÃO COMEÇANDO AGORA, ESPECIALMENTE AQUELES QUE ENFRENTAM DESAFIOS RELACIONADOS À INOVAÇÃO E À EXPANSÃO DE SEUS NEGÓCIOS?

Olha, para quem está começando agora, eu acho que a gente tem um mundo muito competitivo. Às vezes, ficamos querendo criar algo muito diferente, muito mirabolante, e às vezes falta só uma conexão com o simples, uma conexão com o óbvio, olhar para escassez, olhar para a necessidade do mercado. Eu criei uma marca dentro de um produto na sua simplicidade máxima, que é pipoca. Pipoca é muito simples. Então, era meio óbvio que já estava aí, todo mundo faz pipoca em casa, eu criei uma forma diferente de fazer essa pipoca. Então, olhar muito para as oportunidades que têm para se empreender, para as carências, as dores do mercado e fazer um estudo. Têm muito conteúdo gratuito hoje na internet, podcasts, livros, revistas, o meio digital, a inteligência artificial, tem muita coisa que pode ajudar a você se tornar um empreendedor com menos riscos, você ser mais intencional, você ser mais preparado, você ser mais instruído.

 Hoje, tem muitos mentores de carreira que podem também contribuir, muitos consultores com vasta experiência no mercado. Então é se sentir seguro para poder achar o time certo para empreender a ideia certa, estudar antes, fazer um planejamento estratégico antes de começar a empreender. E tem que ter apetite para empreender, tem que ter apetite para correr riscos, tem que ter apetite para sofrer desafios. Esses desafios do empreendedor, eles são diários, mas os resultados também podem ser proporcionais a esses esforços, a essas horas.

O empreendedor trabalha aí 12, 14 horas por dia, mas eu sempre costumo dizer que essa jornada, ela precisa ser lucrativa, você precisa estar encaixado, mas você precisa se divertir com essa jornada. Então, se o empreendedor trouxer esse ambiente de diversão, ele vai ficar feliz com o que faz, buscar afinidade na atividade que trouxe, com certeza vai ter bons resultados. E, assim, é um segmento, é um bichinho que pica a gente, do empreendedorismo, que é meio que um caminho sem volta. Você fica com cada vez mais apetite para empreender, para diversificar, então é sempre diversificar com o pé no chão, entendendo as possibilidades e necessidades do mercado.

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