
Texto: Rodrigo França
O Brasil, com sua memória seletiva, tem o estranho hábito de deixar seus maiores nomes, principalmente de negros e negras, em segundo plano. É como se o tempo, aliado a uma lógica de mercado e de poder, decretasse quem merece ser lembrado e quem será empurrado para o rodapé da história. Quando se trata de Zé Ketti, o apagamento não é apenas uma negligência. É quase um projeto.
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Zé Ketti não foi apenas um compositor de sambas. Foi cronista do povo, griô suburbano, voz que ressoava dos morros para os salões, das vielas para o mundo. Suas composições traduziam o Brasil real, aquele que muitos insistem em não ver. Em suas letras, morava o protesto, mas também o lirismo; havia denúncia, mas também celebração. Poucos artistas conseguiram traduzir com tanta delicadeza e precisão o cotidiano de uma gente que, tantas vezes, teve sua existência negada.
“Opinião”, uma de suas músicas mais emblemáticas, não é só uma canção. É um manifesto. Um grito de quem sobrevive apesar das dores. De quem canta para não silenciar. De quem ousa existir. Zé Ketti desafiou a lógica da submissão estética e política. E, por isso, não raro, foi silenciado. Talvez por isso seja tão urgente revisitá-lo, honrá-lo e inscrevê-lo no lugar que é seu por direito: o de um dos maiores nomes da música popular brasileira.

Neste sentido, a montagem em cartaz no Teatro Ziembinski, no Rio de Janeiro, não é apenas um espetáculo. É um gesto de justiça. Uma reparação simbólica e cultural. E não se trata de um movimento nostálgico. Trata-se de afirmar, em cena, que a história da música brasileira não pode ser contada sem Zé Ketti.
A escolha de Leandro Santana para interpretá-lo é um dos pontos altos dessa homenagem. Leandro não representa Zé Ketti apenas pela semelhança física ou pela boa afinação. Ele o incorpora com uma elegância cênica rara. Há em sua atuação uma entrega sincera, um respeito que se percebe nos detalhes. Sua presença em cena é de quem entende a dimensão política e espiritual da tarefa. Leandro não interpreta Zé Ketti. Ele o convoca. E, juntos, constroem uma ponte entre passado e presente.
Esse encontro entre gerações – o sambista e o ator – é simbólico. Porque Leandro, ao dar corpo e voz ao mestre, afirma que a cultura popular segue viva. E que, mesmo diante de um país que esquece fácil, há quem se dedique a lembrar. A montagem, assim, ganha força não pelo ineditismo da forma, mas pela potência do gesto. O que se vê ali é uma reverência. E reverenciar é um ato político. É a recusa em permitir que Zé Ketti seja mais um nome citado apenas em rodinhas de samba ou em páginas de dicionários musicais. É dizer, alto e bom som, que ele foi, e ainda é, fundamental.

Que esse espetáculo, portanto, sirva como ponto de partida para novas homenagens. Que inspire outras produções, outros artistas, outras gerações. Que as escolas ensinem sobre Zé Ketti. Que os teatros o acolham. Que os meios de comunicação o lembrem não apenas nas efemérides. E que a sua obra, viva e atual, continue a nos atravessar.
Zé Ketti, com sua poesia crua e generosa, segue cantando. E enquanto houver vozes como a de Leandro Santana, Marcelo Viégas, Clarissa Waldeck, Fernanda Sabot, Negawal, Gustavo Maya e Otavio Cassian para ecoá-lo, ele não será esquecido. Porque o samba, como dizia ele mesmo, não se aprende no colégio. Se aprende na vida. E Zé Ketti foi mestre da vida. Do Brasil. Da gente que resiste.
* Este texto não é uma crítica teatral, mas sim uma indicação cultural que celebra a importância de Zé Ketti.
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Musical “Zé Ketti, Eu Quero Matar a Saudade!”
Horário: Terças e quartas – sempre às 20h – Todas as quartas com intérprete de libras
Local: Teatro Ziembinski
Ingressos: R$ 40 (inteira) / R$ 20 (meia)
Classificação Indicativa: 14 anos
Curta temporada
FICHA TÉCNICA
Elenco: Leandro Santanna, Marcelo Viégas, Clarissa Waldeck, Fernanda Sabot, Negawal, Gustavo Maya e Otavio Cassiano
Autor: Cadu Caetano
Diretor: Márcio Vieira
Diretora Musical: Beá Ayòóla
Arranjador Musical: Pedro Paulo Jr
Preparação e Arranjo Vocal: Pedro Lima
Coreógrafa, Diretora de Movimento, e Oficineira: Valéria Monã
Figurinista: Wanderley Gomes
Cenógrafa: Cris de Lamare
Iluminador: Pedro Carneiro
Visagistas: Diego Nardes e Nata Di Paula
Assistente de Visagismo: Elaine Martins
Palestrante e Assessoria vida e obra de Zé Ketti: Geisa Ketti
Músicos: Claudia Flauta – Flauta Transversa / Pablo Carvalho – Percussão / Vinicius do Vale – Violão 7 cordas.
Aderecista e assistente de Cenografia: Sillas Pinto
Estagiária de Direção de Movimento e Coreografia: Manuela Brito
Assistente de Direção e Produção: João Felix
Profissional especializado em sensibilização e acessibilidade: Vanessa Andrezza
Designer Gráfico: Emanuel Antunes
Videomaker e Fotógrafo: Caio Cezar
Intérprete de libras: Claudia Chelque
Assessoria de Imprensa: Alessandra Costa
Técnica de Luz: Tâmara Campos
Técnico de Som: Leandro Mattos
Idealizador e Produção Executiva: Leandro Santanna
Coordenação Geral e Financeira: Marcelo Viégas
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