Uma condenação histórica, um caso de racismo emblemático e um apagamento que não pode ser ignorado. Uma reportagem do jornal americano Washington Post, intitulada “Condenada por fazer insultos raciais, ela enfrenta 8 anos de prisão no Brasil”, buscou dar um panorama das questões raciais no Brasil a partir do ponto de vista jurídico, utilizando o caso da socialite brasileira Dayane Alcantara, conhecida como Day McCarthy, como exemplo.
Em 2017, a influenciadora publicou um vídeo atacando Títi, filha negra adotiva dos atores brancos Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank. No vídeo, McCarthy fez insultos racistas direcionados à aparência da criança, gerando indignação em todo o país.
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O caso teve um desfecho histórico graças à atuação da advogada e ativista Juliana Souza. McCarthy foi a primeira pessoa condenada a prisão em regime fechado em um caso de racismo no Brasil. Em agosto deste ano, a Justiça Federal do Rio de Janeiro a condenou a 8 anos e 9 meses de prisão pelos crimes de injúria racial e racismo.
No entanto, Juliana não ficou satisfeita com a abordagem do jornal americano sobre o caso. Apesar de ter concedido uma entrevista de duas horas à jornalista Marina Dias, que participou da produção da matéria assinada por Terence McCoy, seu trabalho foi completamente omitido. “Até quando você faz história tentam te apagar”, disse Juliana em seus stories no Instagram. Em conversa com a editora-chefe do Mundo Negro, Silvia Nascimento, ela deu mais detalhes. “A matéria menciona os oito anos de condenação, algo conduzido por meio do meu trabalho em parceria com o Ministério Público Federal. Essa condenação histórica só foi possível pelo que desenvolvi, e é isso que não aceito: esse apagamento, esse epistemicídio.”
Juliana explicou que, ao entrar em contato com Marina, a jornalista ficou surpresa com as críticas e insinuações de decepção. Segundo Juliana, Terence teria dito que a advogada deveria estar feliz pela repercussão do caso, mesmo não sendo mencionada. “Ele disse que poderia fazer uma matéria sobre mim no futuro, mas que essa reportagem era sobre a família”, relatou a advogada.
Curiosamente, outras fontes brasileiras de profissionais brancos foram citadas na matéria. “Há pessoas mencionadas no texto que não têm relação com o caso, enquanto figuras importantes como a procuradora Lilia Vaz e outro consultor branco tiveram suas falas destacadas. Ele [o editor] me disse que precisou fazer escolhas, que não havia espaço para todos. No entanto, eu, que trabalhei diretamente no caso, não tive nenhuma menção ao meu trabalho.”
Outro ponto problemático da reportagem foi sugerir que o Brasil é um país que age de forma agressiva no combate ao racismo. “Sete anos após seu ataque preconceituoso contra a menina negra, um juiz federal em agosto condenou McCarthy pelo crime de racismo e aplicou a ela o tipo de pena tradicionalmente reservada para infratores violentos e traficantes de drogas: oito anos e nove meses de prisão.” O texto ainda trouxe dados de denúncias, que quintuplicaram entre 2020 e 2023, alcançando 4.871 processos. Contudo, isso não significa que racistas estão sendo presos.
Juliana também comentou sobre essa abordagem: “O aumento das denúncias ajuda a visibilizar, haja vista que vigeu durante muito tempo uma ideia de ‘democracia racial’. É fundamental o registro das ocorrências, pois é daí que parte a investigação. Porém, precisamos dar os próximos passos: investigação, devido processo legal e responsabilização.”
A reportagem incluiu ainda uma longa entrevista com McCarthy, que afirmou ter sido condenada por ter sido processada por pessoas brancas. Morando em Paris, ela disse que não respeitará a decisão da justiça brasileira e continuará vivendo na Europa. “Seria diferente se fosse uma pessoa negra fazendo essa denúncia, uma mãe negra da favela. O sistema de justiça brasileiro só funciona para alguns”, declarou a socialite condenada à prisão.