Por: Rodrigo França
Há espetáculos que atravessam o tempo e se tornam mais do que arte: tornam-se documento, rito, permanência. Vozes Negras – A Força do Canto Feminino é um desses encontros raros em que o palco se transforma em território de celebração, cura e memória. A música, nesse caso, não é apenas canto; é reza, é denúncia, é afirmação. Mas o que sustenta o poder dessa montagem, que volta a São Paulo no BTG Pactual Hall, é o brilho e a entrega de suas intérpretes. Atrizes-cantoras que não apenas revivem nomes fundamentais da música brasileira, mas os reconstroem com alma, afeto e rigor técnico.
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Em cena, Maria Ceiça, Lu Vieira, Maria Rodrigues, Taty Aleixo, Vanessa Brown, Analu Pimenta, Chelle e Roberta Ribeiro emprestam corpo, voz e história para que as homenageadas, de Elizeth Cardoso a Elza Soares, de Clementina a Alcione, de Sandra de Sá a Iza, voltem a pulsar diante do público. Há uma força ancestral no gesto de cantar essas mulheres, uma linhagem que se perpetua no timbre, na respiração e no olhar que se acende quando o microfone se transforma em espelho. São atrizes que dominam o ofício com precisão e beleza, transitando entre o teatro e o canto com a naturalidade de quem compreende que interpretar é também escutar — escutar a canção, a ancestralidade e o tempo.
O espetáculo, idealizado e dirigido por Gustavo Gasparani, com dramaturgia assinada por ele e por mim, Rodrigo França, é um mosaico de vozes femininas negras que moldaram a história do Brasil, e o elenco se revela como um dos seus maiores triunfos. Cada intérprete carrega a responsabilidade de reencarnar trajetórias que foram silenciadas ou subestimadas, e o faz com altivez e sensibilidade. É impressionante perceber como a cena se sustenta na potência delas, sem caricatura nem imitação: o que se vê é a alma daquelas mulheres traduzida em novas presenças.
Essas atrizes-cantoras são guardiãs de uma herança imaterial. Cantam como quem escreve o futuro. São artistas de técnica apurada e emoção incontornável, donas de uma entrega que emociona até o silêncio. Cada nota carrega uma história, cada gesto é um lembrete de que a arte negra brasileira é sinônimo de excelência, disciplina e invenção. Vozes Negras é, acima de tudo, uma celebração dessa excelência — e o elenco, seu coração pulsante.
Em um país que tantas vezes tenta apagar a contribuição das mulheres negras na cultura, vê-las em protagonismo pleno é um ato político e poético. Elas não apenas homenageiam, elas continuam a história. Porque toda vez que uma mulher negra canta, o Brasil se refaz um pouco mais inteiro.
Serviço
De 4 de novembro a 11 de dezembro
Terças, quartas e quintas, às 20h.
BTG PACTUAL HALL
R. Bento Branco de Andrade Filho,722, São Paulo
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