Cerca de 10 mil candidatos que disputarão as eleições de 2024 alteraram a raça declarada por duas vezes desde 2016, ano em que a Justiça Eleitoral passou a divulgar essa informação. Entre eles, 4,4 mil se declararam negros em disputas anteriores e agora voltaram a se declarar brancos, em um contexto em que a verba pública destinada a candidaturas negras foi reduzida, segundo levantamento feito pela equipe de redação do g1.
O número representa 12% do total de 83 mil candidatos que concorreram em 2016 e 2020 e que estarão novamente nas urnas em 2024. A mudança mais comum é de candidatos que se declararam brancos em 2016, pardos em 2020, e agora retornaram à classificação de brancos, movimento feito por 4.029 candidatos, ou 40% do total.
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Desde 2020, as raças dos candidatos são utilizadas como critério para políticas públicas, como a distribuição do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, que financiam campanhas. Naquele ano, ao menos 50% desses recursos deveriam ser destinados a candidatos negros — ou seja, aqueles que se autodeclararam pretos ou pardos. Em 2024, esse percentual caiu para 30%, em decorrência da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Anistia, que também eliminou multas de partidos que descumpriram essa regra nas eleições passadas.
Especialistas acreditam que essa mudança nas cotas pode estar diretamente relacionada às alterações nas autodeclarações raciais. “A diminuição da cota diminui o incentivo para que os candidatos se declarem negros”, avalia Joyce Martins, professora de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Ela afirma que, com a PEC da Anistia, partidos que não cumpriram a exigência de destinar os recursos aos candidatos negros em 2020 foram perdoados, reduzindo o estímulo para que os candidatos se mantenham nessa categoria.
Outro fator citado por especialistas é a dificuldade de identificação racial por parte dos próprios candidatos. Fernando Moura, especialista em administração pública pela Universidade de Columbia, aponta que alguns candidatos podem ter receio de enfrentar críticas ao se declararem de uma determinada raça e não serem reconhecidos socialmente como pertencentes a ela. “O medo da exposição é um fator importante para entender essas mudanças”, diz.
Além disso, erros no registro das candidaturas podem ter influenciado parte das alterações. Rodrigo Augusto Prando, cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie, observa que, em muitos casos, o preenchimento da autodeclaração racial pode não ser realizado com a devida atenção. “O Brasil é um país extremamente miscigenado, e muitos não têm letramento racial para se identificar adequadamente”, explica. Essa hipótese pode ajudar a explicar os 861 casos de candidatos que mudaram a raça declarada em todas as três eleições municipais analisadas.
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