Nascido em Ipiaú, no interior da Bahia, o criador de conteúdo Hawk Andrade, ou apenas Hawk, como é conhecido nas redes sociais, inovou a forma dos criadores se relacionarem com sua comunidade aqui no Brasil, criando o PixDay. Este dia, nada mais é do que um dia de pagamento, onde os seguidores depositam R$ 0,50 para pagar pelos serviços prestados por Hawk.
Apesar de ter um alcance de mais de um milhão de pessoas, é pouquíssimo procurado pelas empresas para as famosas “publis”, aquelas propagandas feitas por influenciadores. Em pouco mais de um ano, só fechou um pacote publicitário com uma empresa. “Eu tenho recortes sociais bem específicos”, explica Hawk, que apesar de ter números que impressionam e uma presença digital forte em múltiplas plataformas, é um homem negro e deficiente físico. Hoje, o PixDay é 60% da renda dele com a internet, o restante vem da plataforma de financiamento coletivo, venda de produtos e monetização do Youtube.
Notícias Relacionadas
Juliana Alves reflete sobre 21 anos de carreira: "Conquistei respeito e reconhecimento que não tinha antes"
"Aos 50, quem me aguenta?", Edvana Carvalho fala sobre negritude, maturidade e o empoderamento feminino em seu primeiro solo no teatro
Mas além de criador do PixDay, Hawk tem uma série de outras facetas menos conhecidas do público, como a infância religiosa, quando se converteu ao Cristianismo e levou até a mãe para a Igreja, a construção de uma masculinidade forjada por figuras femininas e pelo avô, e até o assédio e a diferença entre a visibilidade que recebe na internet e na vida offline.
Conversando com o MUNDO NEGRO, ele abriu esses e outros detalhes de sua vida. Confira!
Como começou a sua carreira de influenciador?
Sou uma pessoa que tenta melhorar em algum nível a vida das pessoas. Esse é o objetivo de 100% do meu trabalho. Deixar a vida das pessoas mais leve e trazer entretenimento. Isso foi o que eu sempre quis fazer, desde sempre. Acompanho o Youtube desde os meus 12 anos e lembro que quando eu vi pela primeira vez eu disse: “é isso que eu quero fazer da minha vida”. Estudei Comunicação Social, não concluí, mas cheguei bem perto e fiz o curso todo com a intenção de trabalhar com o Youtube. Quando meu canal atingiu mil inscritos, eu larguei tudo, larguei meu emprego de editor de vídeos em eventos sociais, larguei a faculdade e fui viver disso.
Como você criou o PixDay e decidiu que não ia trabalhar com marcas?
Eu tenho uma campanha de financiamento coletivo desde os primórdios do canal. É uma parada que no Brasil ainda não é muito difundida, mas lá fora é, dos seguidores apoiarem o criador de conteúdo e pagarem o salário dele. A criação de conteúdo que eu faço é para o público. Eu não gosto de fazer publi, eu acho que, na maioria das vezes, são coisas genéricas, principalmente quando você tem recortes sociais bem específicos, como é o meu caso. Então, receber o apoio da comunidade que é para quem eu produzo, é uma coisa que eu sempre busquei, desde o começo.
Aconteceu que ano passado eu sofri um golpe, o golpe do iPhone, e aí, quando a pessoa que me deu o golpe devolveu o dinheiro, a galera começou uma vaquinha para me dar um iPhone. E foi aí que eu vi que dava para fazer uma coisa maior e criei um evento, no estilo Criança Esperança, com live, comigo atendendo as pessoas, e nesse evento arrecadamos R$ 16 mil, que foi um valor muito absurdo em três dias de campanha, só com a minha comunidade.
Quando chegou este ano, eu recebi numa caixinha de perguntas, uma pessoa se desculpando porque não conseguiria manter o apoio mensal que ela me dava, que era de R$ 10. E eu fiz uma conta mostrando que se todas as pessoas que assistem os meus stories mandassem R$ 0,50 eu ia ter R$ 15 mil por mês. Eu postei essa conta e o meu PIX e desafiei as pessoas a postarem para mostrar que eu estava certo.
Da primeira vez, deu R$ 5 mil. E agora estamos no sétimo mês, e é uma loucura. É uma parada muito surreal. É muito bom saber que hoje em dia eu não estou preso a amarras publicitárias e posso falar, literalmente, sobre o que eu quiser.
As pessoas te cobram alguma coisa por serem seus “acionistas”? Você ouve muita coisa?
Geralmente, quando alguém me cobra alguma coisa, eu pergunto se ele quer os R$ 0,50 de volta (risos). É um processo também de educação dos meus seguidores. Na internet, por não ter esse limite físico, as pessoas são muito doidas e saem falando todo tipo de coisa umas para as outras. E nessa relação entre criador de conteúdo e consumidor de conteúdo é muito estreita. As pessoas chegam até mim falando que elas se sentem minhas amigas, então acaba perdendo um pouco do limite. Educar e mostrar que existem os limites é muito importante, até para a minha saúde mental.
Falando em saúde mental, como você lida com a sua e a pressão da produção de conteúdo?
Eu acho que hoje em dia eu lido melhor. Não tem curso que ensine a ser criador de conteúdo, então, é apenas experiência. Tentativa e erro. Hoje eu me sinto bem tranquilo, tanto com críticas, quanto elogios. Sobre essa pressão, eu não sinto nenhuma. O fato de criar conteúdo para a minha comunidade me tirou o peso dos números. Eu não ligo para o meu engajamento mais, eu não ligo para crescer, bater meta de números. Geralmente a gente se preocupa com isso porque a gente tem que mandar esses relatórios para as marcas, para ser atraente para elas. Mas se sou só eu e a minha própria comunidade, eu quero que ela seja feliz. Se eu passar um dia todo sem postar stories, quando eu voltar, quem gosta, gosta, quem não se sentir confortável, sai. É também sobre deixar essas pessoas livres e conscientes de que se elas não estiverem mais gostando dos conteúdos, elas podem deixar de seguir, seguir outras pessoas, a gente não tem um casamento.
Uma das coisas que a exposição na internet traz é um pouco desse assédio, de pessoas querendo ter um relacionamento, um encontro sexual. Como é, para você, a afetividade de homem negro deficiente na internet x vida real
Eu acho muito doido a diferença. Da porta para fora, é outra vida. Eu, enquanto pessoa na internet, recebo elogios, mas eu sei que se eu sair na rua, os olhares não são de elogio, de desejo, de nada. São dois extremos. Porque num lugar, você teoricamente é seguido, é desejado e está tudo bem, mas quando isso vai para vida real, até as pessoas que elogiam e dão em cima concretizarem esse passo na vida real é muito difícil de acontecer. Já é uma coisa que eu abstraí completamente.
Quando eu falo que eu realmente aprendi a lidar com críticas e com elogios também é sobre isso. No início eu ficava feliz, era uma coisa que mexia comigo, que me deixava melhor. Com o passar do tempo, quando eu fui vendo a realidade, e, hoje em dia, ignoro os dois. Tanto as críticas quanto os elogios. Eu sei que, por mais que a pessoa ache alguma coisa, ela está achando baseado em um recorte muito pequeno que ela está vendo pela tela do celular, ela não está me vendo realmente. Eu tenho certeza que se ela não me conhecesse na internet, na rua ela viraria a cara ou me olharia com um olhar de curiosidade.
E os ensaios sensuais que você publicou recentemente? De onde surgiu essa vontade?
Eu sigo Paulina, que é a pessoa que fez as fotos e sempre acompanhei o trabalho dela fotografando pessoas gordas. E aí, chegou um momento em que deu certo de a gente fazer essas fotos e foi muito tranquilo de fazer. Eu não fiquei constrangido em momento nenhum, fiquei muito mais constrangido para postar as fotos depois. Tem bastante foto que ainda não postei, inclusive. É uma parada que quando eu falo, as pessoas não acreditam, mas eu sou relativamente tímido, para uma pessoa que trabalha com a própria imagem, e hoje eu entendo porque essa timidez existe.
No começo dos meus vídeos no Youtube eu nem aparecia. Esse era o nível de quanto eu tinha problemas com a minha própria imagem. Mas deixei para fazer quando estava preparado. Foi um processo. Quando eu me senti bem, quando senti: Ok, posso fazer isso, eu fiz. Eu acho importante no sentido de corpos como o meu não existem, apesar de sermos a maior minoria no mundo, eles não são vistos e não ocupam espaço em nenhum lugar de destaque. Então, eu faço também porque eu sinto que eu tenho a oportunidade de fazer, é maior do que eu , maior do que as minhas questões pessoais. Eu sinto que é necessário que eu faça isso, já que eu tenho essa voz. São coisas que eu digo que eu faço “pela empresa” (risos).
Já observei que você recebe muitos questionamentos de pessoas que não acreditam que você é um homem hétero. Como você lida com os questionamentos das pessoas sobre a sua orientação sexual?
É uma parada que escuto muito e eu realmente entendo, porque eu não tenho nada a ver… Eu tenho minhas questões com homens em geral, e eu não tenho muita coisa de masculino dentro de mim, então, eu acho muito natural que as pessoas fiquem com essa dúvida. Porém, gente, eu já tentei, mais de uma vez, mais de duas e não consigo. Não sou bi, sou, infelizmente, hétero.
Eu sinto que o fato de eu ter nascido com a minha deficiência e ter ela durante toda a minha vida, o nível de invisibilidade de uma pessoa com deficiência é tão grande que é tirado inclusive o gênero, inclusive coisas tão delicadas quanto essa.
Eu não me aproximava dos caras no colégio porque eu não jogava bola. Teve uma época que eu joguei bola só porque eu dizia que eu tinha que ser parecido com aqueles caras de algum jeito. Mas eu não podia fazer muitas coisas que eles faziam. A demonstração de masculinidade é pela força, pela brutalidade, por fazer esporte, coisas que eu nunca fiz. Então, eu não me via neles.
Minha criação foi com duas mulheres, que eram a minha mãe e a minha avó. Tinha o meu avô, que fazia ali o papel masculino, mas já era um avô. Não tinha aquela vitalidade, eu via que ele era um cara mais velho e ele tinha outras prioridades. As minhas coisas com o meu avô não eram sobre jogar bola ou brincadeira de menino. A gente sentava e ele ficava me mostrando os sambas que ele ouvia. Ele sentava e me ensinava a escolher frutas. Foi uma outra noção de masculinidades que eu aprendi dentro da minha casa, e era totalmente diferente da noção dos meninos que eu conhecia de maneira geral. Por muito tempo eu fui o macho escroto valendo, na adolescência, porque eu queria me encaixar em alguma coisa.
Qual é a sua relação com a espiritualidade?
Eu já fui mais negligente a respeito disso, dizia que não queria saber de nada, não acreditava mais em nada, só que hoje eu simplesmente não ligo. Eu me colocaria como não praticante de nada. Não é algo sobre o que eu penso, mas ao mesmo tempo eu entendo a importância disso para muitas pessoas, e entendo o fato de minha mãe ser evangélica e tal. Eu entendo que para ela é muito importante e faz muito sentido estar naquele meio.
Fui quem levou minha mãe para a igreja. Quando criança, eu li a Bíblia e falei: é isso, vou procurar uma igreja pois tenho que ir atrás desse rolê. Lá dentro, eu fiquei acho que quatro anos, e chegou um momento que eu vi que não fazia mais sentido para mim. Apesar de entender o conceito e achar válido, eu não me via mais como parte daquela comunidade. E foi muito mais pela comunidade no começo, sentindo que eu não tinha nada a ver com aquelas pessoas, e depois foi uma questão ideológica, por entender que Deus não é esse homem branco sentado esperando para enfiar um espeto na minha bunda. E aí eu só me desliguei completamente dessas coisas.
Notícias Recentes
Economia Inclusiva: O papel das mulheres negras no fortalecimento do mercado brasileiro
'Vim De Lá: Comidas Pretas': Mariana Bispo apresenta especial sobre gastronomia brasileira com origem africana