Debora Simões
Em 23 de dezembro a Justiça Federal deu 72 horas para o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, explicar a mudança da logo da entidade. Essa atuação da Justiça Brasileira foi resultado da Ação Popular de iniciativa da vereadora Erika Hilton e integrantes do Movimento Negro. As reações e a polêmica em torno da marca não começaram no último mês do ano. Para entender esse movimento, pelo menos parcialmente, precisamos “voltar” no tempo e no espaço.
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Primeiro, retornamos ao dia 22 de agosto de 1988, marco de origem da Fundação Cultural Palmares, criada no processo de redemocratização do Brasil após 21 anos de ditadura civil-militar. A Fundação foi uma conquista da época do governo de José Sarney, vinculada ao Ministério da Cultura (hoje está ligada ao Ministério do Turismo).
A Fundação nasce com a Lei nº 7.668, aprovada no Senado Federal. Porém, sua vida está sendo gestada anos antes, na luta e organização do Movimento Negro. Foi graças ao poder de articulação de diferentes indivíduos da sociedade civil, que tinham em comum o combate ao racismo, que a Fundação Palmares foi criada. E você, leitor ou leitora, deve estar pensando, mas qual é mesmo o objetivo da Fundação? Para ir ao ponto recorri ao texto oficial da instituição presente no site. O objetivo da FCP é a “promoção e preservação dos valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”. Outra função fundamental é que desde 20 de novembro de 2003 ela emite certidão às comunidades quilombolas.
Não resta dúvida sobre a importância da FCP para a população negra. Além das conquistas materiais e políticas (como a certificação dos grupos quilombolas), há as simbólicas, como o nome da instituição que apresenta a resistência negra no Quilombo dos Palmares. Outra conquista simbólica é a logo (escolhi tratar no presente e não no passado, pois ainda é um processo de curso). Nela temos o machado de Xangô, orixá da justiça. Rei de Oió, deus do trovão na sociedade iorubá (atual sudoeste da Nigéria, na África Ocidental). Sobre a história da Iorubalândia indico os escritos da socióloga nigeriana Oyèrónike Oyewùmí. De volta ao Brasil, por aqui os povos iorubás, também conhecidos (parte deles) como nagôs na Bahia, foram essenciais para a herança cultural formada no nosso país.
A nova logo era um projeto idealizado já há algum tempo por Sérgio Camargo, que a justificava com o discurso da laicização do Estado. Em maio desse ano ele já estava falando sobre esse tema no Twitter. A nova identidade visual, presente hoje no site da Fundação Palmares, não possui mais o machado da divindade da justiça, mas sim formas da bandeira do Brasil, assim como as cores da nação. De acordo com o documento da página, o objetivo da nova logo é um pilar que junta transformação, modernidade e nacionalidade.
Parece, mas o leitor fique à vontade para tirar suas próprias conclusões, que na mudança do símbolo da Fundação Palmares ocorre a negação da presença africana na história do Brasil.
Depois dessa viagem passado/presente e Brasil/continente africano, sugiro voltarmos nossa atenção para a potência da vereadora Erika Hilton, que está movendo a ação popular para reverter o símbolo da fundação. Erika foi a vereadora mais votada no Brasil em 2020. Representa a cidade de São Paulo. É negra, travesti (como faz questão de ser apresentada, mas prefere o termo transvestigênere – criado por ela) e presidenta da Comissão de Direitos Humanos de São Paulo. Em 2021 ela compõe a lista das 100 pessoas negras mais influentes do mundo na categoria Política e Governança. Com menos de 30 anos, Erika representa a luta negra e LGBTQIA+ por meio da justiça, aquela de que Xangô é rei.