Saberes quilombolas teriam espaço dentro das empresas?

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Saberes quilombolas teriam espaço dentro das empresas?
Foto: Agência Brasil/ Gilvani Scatolin/ISA

Estratégias que começam a ser prioridade nos negócios atuais fazem parte da vida nos quilombos há séculos, como cultura organizacional e sustentabilidade

Por Priscilla Arantes* e Juliane Sousa**

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No mundo corporativo contemporâneo, onde a busca por modelos de negócios sustentáveis e inclusivos passa a ser prioridade, há muito que se observar e aprender com os quilombos brasileiros e sua filosofia de vida baseada em princípios como liberdade, igualdade, diversidade, sustentabilidade, valoriza a ação da mulher, ancestralidade e aquilombamento.

Esses pilares, quando aplicados aos negócios, podem ajudar a construir um sistema econômico mais inclusivo, equitativo e regenerativo. Negócios inspirados nas tecnologias ancestrais praticadas nos quilombos têm mais chance de sobrevivência no futuro próximo.

Os quilombos foram formados por pessoas de diferentes origens. É importante lembrar que África é um continente e os africanos que se uniram nestas comunidades vinham de países e culturas distintas. Nas empresas, a diversidade é uma fonte de inovação e criatividade. Valorizar a diversidade é um caminho para alcançar uma força de trabalho mais inclusiva e representativa.

No caminho para fortalecer a diversidade, a busca pela igualdade de gênero é outro desafio que pode ter como inspiração a experiência quilombola. Nas comunidades, as mulheres desempenham papéis cruciais em todos os níveis organizacionais. Promover a igualdade de gênero é ainda uma estratégia inteligente para aproveitar todo o potencial de talentos.

Nos quilombos, as mulheres são consideradas guardiãs da cultura, do sagrado, do cuidado, da economia, das sementes e demais recursos que garantem a preservação do meio ambiente, indispensável na manutenção dos territórios. A relação com a natureza e a sustentabilidade é uma questão central na vida quilombola.

As comunidades mantêm práticas que respeitam a natureza, como a cultura extrativista. O quilombola sabe que é parte de um ecossistema e só existe plenamente se integrando a ele, de forma harmônica. As empresas podem se inspirar nesse compromisso com o meio ambiente, adotando práticas mais responsáveis, como a redução de resíduos, uso de energia renovável e promoção de cadeias de suprimentos sustentáveis.

Os quilombos representam a resistência negra e resgatam a memória de seus ancestrais. A conexão com a ancestralidade, outro pilar dos quilombos, refletido na valorização das tradições, práticas religiosas e culturais, para as empresas traz a importância de reconhecer a própria história, fundamental na criação de uma cultura organizacional autêntica e duradoura, capaz de fortalecer a identidade da empresa e a conexão dos funcionários com sua missão, visão e valores.

O aquilombamento, palavra acolhedora, é outro ensinamento, e tem suas bases na filosofia Ubuntu, que pode ser traduzida da língua bantu pela ideia de “Eu sou porque tu és”;. A cultura do aquilombamento tem o objetivo de promover a coletividade, o respeito, a entreajuda, a partilha, a comunidade, o cuidado, a confiança e a generosidade. Nos negócios, essa filosofia pode ser aplicada na promoção de um ambiente de trabalho cooperativo, onde cada indivíduo se preocupa com o bem-estar de todos. Uma pessoa com Ubuntu tem consciência de que é afetada quando seus semelhantes não estão bem.

A responsabilidade coletiva motiva ainda uma proatividade natural, que somada ao espírito inventivo, estimulado desde muito cedo, está por trás do desenvolvimento de soluções par o dia a dia. O membro da comunidade quilombola cria a partir da natureza, constrói suas próprias casas, utensílios domésticos e ferramentas de trabalho.

Na realidade quilombola, cada pessoa tem o seu papel e exerce uma função sem que ninguém fique monitorando ou cobrando, justamente porque cada um sabe a importância da sua participação. Isso é essencial nas empresas, propor uma cultura de confiança, segurança e responsabilidade onde todas as pessoas possam exercer suas tarefas com maturidade e autonomia.

No Brasil, de acordo com dados do Censo 2022, a população quilombola é de 1,32 milhão de pessoas, vivendo em mais de 6 mil quilombos. Uma quantidade superior a 3 mil é certificada pela Fundação Cultural Palmares, quase 200 são territórios titulados, mas um pouco mais de 1.500 ainda enfrentam processos para regularização de seus territórios, o que torna-os vulneráveis e em risco. Muitos quilombos vivem a ameaça de conflitos e pressão de modelos econômicos que visam somente o lucro e a exploração da natureza.

O primeiro quilombo é da segunda metade do século XVI, na Bahia. O maior quilombo da história brasileira foi o Quilombo dos Palmares, em Alagoas. Os quilombos são comunidades onde os africanos e seus descendentes conseguiram manter e resgatar traços de sua cultura, tradições, festas, práticas religiosas, danças, entre outros. Nos quilombos, prosperar sempre foi muito importante, significa liberdade, por isso, em seus territórios, o trabalho de todos consiste em produzir o necessário para a sobrevivência e vida em sociedade.

A existência dos milhares de quilombolas atesta a resiliência e a riqueza tecnológica dessas comunidades. Eles representam a resistência e a busca pela independência econômica. Os quilombos são verdadeiros tesouros de sabedoria que podem guiar as empresas rumo a um futuro melhor, onde os negócios não apenas sobrevivem, mas prosperam e geram impacto positivo no planeta.

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*Priscilla Arantes é gerente de comunicação do Sistema B Brasil, e articuladora do Coletivo Pretas B, um projeto que apoia mulheres negras na rede do Sistema B Brasil por meio de mapeamento, mentoria, consultoria e capacitação, e fundadora do Instituto Afroella.

**Juliane Sousa é coordenadora de comunicação do Sistema B Brasil, articuladora do coletivo Pretas B e fundadora do Mídia Quilombola.

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