Pensar a proteção, preservação e salvaguarda da vida sempre foi – ou parecia ser – a premissa básica de qualquer religião. Mas o que aconteceu que, com a pandemia de covid-19, estamos dependendo do governo e do Poder Judiciário para dizer que precisamos evitar aglomerações?
Durante o fim de semana, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Kassio Nunes Marques, decidiu monocraticamente pela liberação dos cultos religiosos em todo o Brasil. Sabemos que em momentos de grande dor e sofrimento coletivo, a religião se apresenta como suporte emocional para muitas pessoas. Mas, aparentemente, não é isso que está em jogo.
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Além do conforto emocional e espiritual, e passando por cima da possibilidade iminente da morte, está em jogo a circulação financeira que envolve templos religiosos das mais diversas denominações. Sem pessoas circulando, o dízimo, o dinheiro do ebó, do jogo de búzios e de diversas outras práticas que ajudam na circulação financeira deixam de acontecer.
O resultado – para líderes religiosos de índole mais contestável – são ofertas de cura e unção contra a covid, por meio de elementos que custam uma pequena fortuna ou iniciações e retiros acontecendo num momento em que o ápice das mortes coletivas no país. O que a incapacidade de desenvolver ferramentas de conforto espiritual e defesa da vida – essa aqui, que estamos todos vivendo – diz sobre os líderes e os liderados religiosos deste tempo?
Para além de qualquer exercício autônomo ou individual da espiritualidade, é urgente e necessário desenvolver o entendimento de que a fé não mora no templo. A existência é constituída por partículas do divino em nós. Portanto, é olhando para dentro e enxergando no cuidar de si, o aprendizado do grande ritual da existência, que pode residir o real valor e importância dos rituais que realizamos e voltaremos a realizar conjuntamente.
Reze, limpe o assentamento de seus orixás, ofereça sua comida seca, procure ajuda do seu líder espiritual – sempre, a todo tempo. Mas aguarde para que o nosso retorno ao convívio coletivo seja uma grande cerimônia de alegria e vida, e não o prelúdio da morte.
Seguindo a orientação das grandes casas de candomblé do Brasil, e como disse a Iyalorixá Neuza de Xangô, sacerdotisa da Casa Branca, na Bahia, é hora de silenciar os atabaques.