Texto: Jarbas Vargas Nascimento / Professor Pesquisador – PUC-SP
Depois de mais de trezentos anos de escravização da população preta, publicou-se, no Rio de Janeiro, a Lei Imperial n. 3 353, de 13 de maio de 1888, mais conhecida como Lei Áurea, que determinou o seguinte: “Art. 1º. Fica declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil. Art. 2º. Revogam-se as disposições em contrário.” Uma Lei assinada pela Princesa Imperial Regente Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon, cujo nome, no mínimo quantitativamente, é mais extenso do que os dois artigos da Lei, que encenam a extinção da escravização no Brasil.
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O descompromisso dessa Lei não permite que ela seja um divisor de águas de um longo período de opressão e de objetivação humana na história do Brasil. Ao indiciar libertação, a Lei Imperial não dá valor algum ao escravizado e naturaliza a negação da identidade preta. Que Lei frágil, apressada e descuidada é essa, Isabel, que não transformou o escravizado em cidadão, que não assumiu o compromisso de indenizá-lo pelo tempo de cativeiro? Que projeto é esse que, pela produção ideológica, não propõe a regulamentação legal do trabalho livre, que não vislumbra uma reordenação social? Que Lei é essa, Isabel, que condena a população preta a continuar desintegrada, ocupando uma posição marginal eternamente na sociedade brasileira?
Sua Lei, Isabel, apenas textualiza uma manobra, pois não tornou os pretos livres das mazelas e dos desígnios da elite branca; ao contrário, juridicamente falando, a sanção dessa Lei edificou uma base elitista branca, capitalista e burguesa sobre a qual se definiu, na sociedade brasileira, o racismo estrutural, o apagamento da identidade, a marginalização social e o historicídio dos sujeitos pretos como produtores de conhecimentos. Por conta da promulgação dessa Lei tão sucinta, abstrata e desviante de um ideal de liberdade, o dia 13 de maio não pode ser incluído no calendário oficial nacional como uma data festiva e de comemoração.
Expomos aqui, criticamente, nossa decepção, para ressaltar o fato de que ratificar a extinção da escravização, conforme proposto na Lei Áurea, parece-nos ser um comportamento de confirmação histórica da hegemonia política da elite branca dominante, que deve ser obviamente questionada. As marcas e os mecanismos linguístico-discursivo-ideológicos materializados na Lei Áurea ainda que representem falsamente uma conquista, não apresentam valor moral consistente e nem tampouco articulam o ideal de os pretos reescreverem sua própria história. Como sujeitos escravizados, impossibilitados de qualquer manifestação, que alterasse o teor da Lei, para escrever nosso destino, deveríamos virar essa página de nossa história e continuar propondo pautas emancipatórias que garantam um futuro melhor para a população preta e para nosso país.