Em um período em que cada vez mais pessoas recorrem ao chá como um caminho para o autocuidado, Flávia Barbosa, 35, sommelier de chás e criadora de conteúdo, convida o público a enxergar a bebida também como uma ferramenta de cura e autoconhecimento, além de, no Brasil, ter origens nas culturas dos povos negros e indígenas.
“Embora minhas ancestrais mais próximas não tenham tido uma ligação forte com esse universo e nem me passado diretamente muitos ensinamentos, ao escolher me conectar e trabalhar com o chá, sinto que continuo um trabalho muito mais antigo. Quando falo sobre autoconhecimento, autocuidado, prazer, rituais e, principalmente, pausa e descanso, entendo o chá como fio condutor de tudo isso”, conta Flávia em entrevista ao Mundo Negro e Guia Black Chefs.
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Nascida em Ribeirão Preto e atualmente morando em São Paulo, Flávia iniciou sua trajetória em 2015, quando se encantou com o Masala Chai, bebida tradicional indiana que passou a servir em sua microempresa vegetariana. O encantamento foi tanto que, um ano depois, ela decidiu se mudar para a capital paulista para estudar no Instituto do Chá, onde se especializou na área.

“Após dois anos atuando em uma casa de chá, abri minha própria empresa, a Capins da Terra, que, em seu auge, chegou a oferecer 13 blends autorais, vendidos inicialmente na loja virtual e, entre 2022 e 2024, também em ponto físico”, diz Flávia, que recentemente decidiu encerrar as atividades comerciais para se dedicar integralmente à criação de conteúdo, além de ministrar aulas, experiências e workshops sobre chás.
Nas redes sociais, onde é conhecida com o @capinsdaterra, ela compartilha sua rotina e a sua relação com práticas de autocuidado, “valorizando processos e tudo o que for mais natural possível”. Neste momento, ela também desenvolvendo o seu novo projeto-extensão, Folhas de Ciata (@folhasdeciata), para fortalecer uma comunidade de mulheres que encontram nos chás e nas ervas uma possibilidade e uma estratégia de bem viver. “Ser uma mulher negra que propõe o que eu proponho, é sem dúvida uma forma de manter vivo o sonho das que vieram antes de mim.”
O chá para o equilíbrio

Questionada sobre seu chá favorito, Flávia afirma que ser difícil definir para uma amante do chá, mas explica a sua escolha: “Atualmente — considerando os aprendizados e a fase da vida em que me encontro — tenho me identificado muito com os oolongs, chás semi-oxidados que, como gosto de explicar, ficam ‘no meio do caminho’ entre os chás verdes e os pretos. Por muitos anos, vivi em extremos. Encontrar esse meio-termo, esse equilíbrio (mesmo que momentâneo) em meio à rotina agitada, foi um grande desafio — e hoje consigo experienciar isso.”
E completa: “Por isso os oolongs têm me encantado tanto: além de representarem esse equilíbrio, sua complexidade sensorial me proporciona múltiplas experiências, mostrando que é possível viver vários caminhos dentro de uma mesma jornada.”
Ser uma mulher negra no universo do chá

Apesar da leveza que o tema carrega, Flávia não romantiza os desafios de ser uma mulher negra nesse setor. “Além da falta de identificação recorrente como proprietária da marca e das microviolências racistas cotidianas, existe também a desvalorização e a falta de credibilidade dentro do próprio setor. Embora a cultura do chá no Brasil tenha origem nos povos indígenas e em nós, pessoas negras em diáspora, houve um sequestro histórico e apagamento de muitos rituais pelo colonizador”, explica.
Ela também chama atenção para o pensamento “místico-colonizador”, que acredita que pessoas negras que trabalham com ervas não devem monetizar seu saber. “Tudo isso dificulta construir renda exclusivamente a partir dos chás e, consequentemente, afasta muitas pessoas negras dessa área”, afirma.
Mas Flávia tem sonhos maiores que estes desafios.“Meus planos envolvem continuar crescendo na minha área, multiplicando meus conhecimentos sobre chás e impactando positivamente a vida de mais pessoas. Além disso, busco ajudar a preservar a vida e a memória das verdadeiras matriarcas dos chás no Brasil: mulheres indígenas, benzedeiras e erveiras.”
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