Mundo Negro

Qual o Lugar de Fala do branco na luta antirracista?

Quando pensamos em temas como opressão, privilégios e minorias sociais, um dos termos mais presentes nos debates é o Lugar de Fala. Não sei dizer ao certo quem cunhou o termo, mas acredito que, para a maioria das pessoas, Djamila Ribeiro seja uma das maiores representantes do assunto, até porque a autora possui um best seller sobre a temática.

A Internet deu voz a uma quantidade gigantesca de pessoas e muitas das discussões online se transformaram em guerra nas redes sociais. O mesmo fenômeno que fez com que termos, textos, teorias e debates muito importantes fossem promovidos a todo momento, acendeu um alerta para a responsabilidade necessária para discutir os mesmos. O esvaziamento do significado de termos e teorias se tornou algo muito comum, vide Racismo Estrutural sendo utilizado para isentar culpa de indivíduos, militância sendo associada a torcida e reflexões de reality show e Lugar de Fala sendo utilizado para silenciar falas em debates. Irônico porque o termo parece evocar exatamente o oposto do silêncio…

Notícias Relacionadas


A nossa sociedade é patriarcal, racista, lgbtfóbica e capacitista. Dentro da nossa estrutura social, as vozes que mais ecoam e ditam realidades turvas são as de homens cis, brancos e heterossexuais. Pensar no rumo das pautas minoritárias em uma sociedade que é construída dessa forma é pensar, quase automaticamente, em apagamento e silenciamento das vozes oprimidas e dai vem a importância de se entender e compreender o Lugar de Fala.

A ideia e o conceito de Lugar de Fala surgem da necessidade de se discutir posições e dar voz a discursos de minorias que não tem vez nos diálogos. Nascem da reflexão individual de “quem sou eu dentro desse contexto social?”, “qual é a minha fala e o que estou passando com ela?”, “qual o meu posicionamento para com as injustiças e narrativas ao meu redor?”

Djamila Ribeiro costuma observar que o grupo que tira benefícios dos privilégios se vê universal diante desses debates e aponta as minorias com especificidade ou como exceções.

“Eu sou o normal, o comum, a regra. Você é a mulher, o negro, o LGBT, o indígena, à parte”

Isto é, ao se referenciar como normalidade e apontar características excludentes no outro, os grupos sociais no poder demonstram não se entenderem como parte integrante de um grupo maior e, principalmente, demonstram não conseguir refletir sobre como a imposição de suas ideias afeta os demais grupos sociais.

É preciso compreender que a relevância do Lugar de Fala é compreender sua posição social e discutir/agir de acordo com ela. Existe uma série de reflexões abertas a partir dessa noção que vão desde entender que para existir um oprimido precisa existir um opressor – se existem privilégios existem grupos inevitavelmente perdendo direitos –, até ter criticidade com seus próprios atos e saber como agir para diminuir e lutar contra essas injustiças.

Quando, em meus textos, eu falo sobre todo branco ser racista, é uma forma de fazer com que o grupo de pessoas brancas se entenda como beneficiários dos mecanismos de opressão da população negra. É uma provocação necessária para que os brancos compreendam o lugar que eles ocupam.

Muitos esbravejam e tem dificuldade em aceitar o que eu digo justamente porque não conseguem se entender como um grupo e sim como a normalidade. Não querem ser associados a grupo nenhum, ao mesmo tempo que apontam para outras pessoas e diferenças de forma a definir grupos.

Lugar de Fala é diferente de representatividade. Uma mulher branca falando sobre racismo certamente não me gera identificação nenhuma, enquanto homem negro, mas é importante que uma mulher branca saiba discutir sobre racismo e que, principalmente, compreenda o seu lugar nesse discurso.

O que eu sempre tento reforçar é que o pensar branco com relação ao racismo é entender seu papel, questionar sua realidade e a partir do seu próprio Lugar de Fala usar suas ferramentas e para combater isso. Utilizando de um olhar crítico, é possível sim apontar problemáticas dentro do seu próprio grupo social e utilizar seu privilégio para dar vazão e trazer pessoas negras para falarem sobre isso.

Isso vai desde um professor questionar se sua bibliografia contempla trabalhos e livros de mulheres negras e LGBTs, até você, enquanto aluno, questionar quantas pessoas negras você vê nos ambientes que você frequenta e que espaço e poder eles exercem.

Grada Kilomba, escritora e filosofa negra portuguesa, costuma dizer que ao invés de questionar “eu sou racista?” e esperar uma resposta confortável, brancos devem questionar “como eu faço pra desmantelar o meu próprio racismo?”. Isso é um belo exemplo de como se colocar num espaço de pertencimento do grupo opressor pode ajudar na luta contra a opressão. Lugar de Fala é sobre se entender como parte das engrenagens do conjunto social e aprender a falar e agir a partir dali. Nada tem a ver com silenciar pessoas em meio a debates, é uma forma de organizar a discussão e fazer pensar opressões não só do posicionamento do oprimido, mas também do opressor, suas estruturas e como diferentes formas de combate podem ser utilizados para desmantelar essas injustiças.

Notícias Recentes

Participe de nosso grupo no Telegram

Receba notícias quentinhas do site pelo nosso Telegram, clique no
botão abaixo para acessar as novidades.

Comments

Sair da versão mobile