A narrativa das mulheres na sociedade atual é liderada pelo cansaço. E quanto menos conseguimos encontrar tempo para o cuidado e a conexão conosco, mais essa afirmação pode se tornar uma sentença para nós. O cenário, em especial para as mulheres negras, mostra que a sobrecarga de trabalho e das responsabilidades relacionadas ao cuidado com a casa e a família, massivamente atribuídos às pessoas do gênero feminino tem sido adoecedor, de acordo com o relatório lançado pelo Think Olga no ano de 2023, que mostrou que “ansiedade e o estresse atingem a rotina de metade das mulheres brasileiras”.
Mas lembrar de cuidar de quem cuida é fundamental para que as mulheres consigam andar na contramão do adoecimento sistemático causado pela sobrecarga e pelo racismo. A médica cardiologista e montanhista, Dra. Cibelle Dias Magalhães, está entre as mulheres que têm pensado em estratégias de sobrevivência pautadas no autocuidado e na reconexão consigo. “As mulheres vivem muito sobrecarregadas de excesso de atividades, de excesso de tarefas. Sempre responsáveis por cuidar, gerenciar e organizar a casa, gerenciar e cuidar de suas carreiras, cuidar da sua imagem, para precisar manter uma imagem padrão. As mulheres também sofrem muito com a questão de como lidar com o envelhecimento numa sociedade que pouco valoriza a mulher no pós menopausa, tem dificuldade de aceitar o envelhecimento na sua naturalidade, então a gente está sempre muito pressionada. No final do dia a gente para para pensar, quanto a gente está exausta, porque as mulheres estão muito cansadas de cuidar de todo mundo, de gerenciar tudo”, ressaltou a médica.
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A Dra. Cibelle é responsável por ser uma das criadoras do projeto ‘Elas na Montanha’, uma iniciativa que surgiu de uma necessidade identificada pela médica de exercer a medicina integrada aos pilares da qualidade de vida. O projeto realiza palestras e encontros em locais fechados ou ao ar livre focados na saúde e bem-estar de mulheres, com atividades como prática de trilha e escalada, yoga, alimentação saudável e rodas de conversa.
“O Elas na Montanha tem uma agenda de encontros, encontros femininos que busca oferecer esse bem-estar para as mulheres, esse espaço de acolhimento, em contato especialmente com a natureza, fortalecendo os pilares da qualidade de vida.”, contou ao explicar quais pilares sustentam os encontros. “Nos nossos encontros a gente oferece o cuidado a partir desses pilares: atividade física, conexão com outras mulheres, criando relações mais profundas, a gente tem um cuidado maior com a alimentação. Saborosa, feita com muito carinho, muito amor, rica em frutas, verduras e vegetais, alimentação natural. Além de práticas de gerenciamento do estresse”.
“As mulheres podem ficar à vontade para ser elas mesmas ali. Onde elas podem trazer às suas questões, trocar com a gente de maneira leve, falar sobre suas necessidades, sobre o seu dia a dia, olhar para si, ter esse momento de contato com a natureza, que é tão importante, que é um lugar onde a gente sabe, cientificamente, dos benefícios comprovados”, explica.
Ao entender que mulheres negras são as que menos procuram o projeto de autocuidado, ela decidiu organizar uma viagem para um grupo de médicas negras, conhecido como Afropaty’s. A médica lembra que os médicos negros representam apenas 3% do total de profissionais da classe e que convivem diariamente com o racismo de pessoas que desvalidam sua competência profissional, a médica reforça que esse grupo também necessita de cuidados voltados para sua saúde e bem-estar físico e mental: “E é muito importante eventos como esse para permitir que essas mulheres negras, médicas, que são a minoria nos seus espaços, que muitas vezes são a única nos seus espaços, elas possam se fortalecer para conseguir superar, conseguir vivenciar, superar todos os desafios que naturalmente as mulheres, que a gente já trouxe, as mulheres vêm sofrendo e a gente tem essa carga adicional, o que gera um nível adicional de estresse, de exaustão, não apenas física, mas exaustão mesmo”.
“A gente vê que isso é muito comum entre os médicos negros, além dessa carga de representar o grupo, justamente, terem muitas vezes trazer um peso aí, ao mesmo tempo como de uma forma positiva, que são os arrimos de família, muitas vezes. São aquelas pessoas que quebraram um ciclo, às vezes, de pobreza, um ciclo de dificuldades, de escassez na família, só que também, por outro lado, ao mesmo tempo que carregam essa felicidade, essa responsabilidade, mas também acaba sendo um peso adicional de responsabilidade, de necessidade mesmo, às vezes, de trazer toda uma família, o que gera uma carga, muitas vezes, de trabalho ainda maior. Então os médicos, muitas vezes, já sofrem por excesso de trabalho, a pressão”, detalha a Dra. Cibelle ao lembrar os desafios enfrentados por médicas negras e pontuar como eventos como os organizados pelo ‘Elas na Montanha’ são fundamentais para que as profissionais possam se fortalecer, juntas em sua identidade como mulheres negras e no cuidado com sua saúde e qualidade de vida.
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