As irmãs Venancio, Lúcia, Joyce e Maria Cristina, são as fundadoras do Preta Pretinhas Bonecas, pioneiras em bonecas negras no Brasil. No ano de 2000 abriram a loja na Vila Madalena, em São Paulo. Em 2009 fundaram o Instituto Preta Pretinha, que visa levar autoestima para famílias pretas através do artesanato. Em 2017, o projeto foi reconhecido e certificado como ponto de cultura, trabalhando com palestras, artesanato, ida às escolas públicas e privadas.
No #JulhoDasPretas de hoje conheça a história desse projeto lindo que abriu portas para a representatividade em diversos segmentos.
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MUNDO NEGRO: Quando e como surgiu o Preta Pretinha Bonecas?
PRETA PRETINHA: Desde a infância nós tivemos uma autoestima muito bem resolvida e trabalhada com a vovó Maria. Ela se preocupava muito em nos presentear por bonecas feitas por ela: bonecas pretas! Bonecas que nos representassem, até porque a gente já questionava muito a falta dessas bonecas no mercado – que não existia. Com esse trabalho da vovó e da família nos incentivar com bonecas, a primeira necessidade que tivemos quando adulta, foi montar um ateliê de bonecas negras na Vila Madalena (São Paulo), onde nós nascemos, para podermos entrar no mercado. Bonecas sem estereótipo que representassem a beleza negra. Preta Pretinha Bonecas surgiu em 2000.
MUNDO NEGRO: Havia outra marca especializada em bonecas negras? Pode contar alguma história de alguém pioneiro que a inspirou?
PRETA PRETINHA: Quando surgiu a marca, observamos que anos antes surgiu uma artista chamada Tilaí, que customizava bonecas brancas, as tingindo de preto, transformando em bonecas negras. Iniciativa bonita que nós admirávamos. Outra marca era a Nega Fulô, também chamou nossa atenção; como passava muito pela USP, via as bonecas negras de pano, muito bem arrumadinhas e bonitas. Ela atendia a rede de educadoras na época. Fora isso, muito pouco, somente nas feiras.
MUNDO NEGRO: Qual a história por trás do “Preta Pretinha”?
PRETA PRETINHA: Nossa inspiração veio mesmo da nossa vovó Maria, de casa, da educação que tivemos. Vovó ficava com a gente como cuidadora, enquanto mamãe saia para trabalhar. A vovó tinha uma consciência incrível e trabalhava muito bem essa questão de autoestima. Nós sentíamos necessidade no “dia do brincar”, sexta-feira na escola, de levar a bonequinha para brincarmos. Vovó satisfazia nossa vontade, fazia nossas bonequinhas. Ao chegar na escola era incrível, porque não existia no mercado. Todos os coleguinhas queriam nossas bonequinhas para brincar! Era uma festa (risos).
MUNDO NEGRO: Como foi o processo de transformar a produção doméstica em uma produção em escala maior?
PRETA PRETINHA: Nós sempre pensamos em montar algo maior e vir no segmento de empresa, como empresárias.Nos instalando num local comercial onde tivéssemos visibilidade para levantar uma bandeira: a anti-racista. Para levantar uma bandeira de ”sim, nós podemos!”. Fizemos uma pesquisa para ver qual seria a aceitação desse produto, fizemos enquetes, fizemos plano de negócio, para seguirmos uma estratégia para prosperarmos. Nós pensamos grande porque essa questão da boneca negra, como brinquedo educativo, também diz respeito da ancestralidade – e, para nós, isso sempre foi muito importante. Por isso tinha que ser ali, no bairro onde nós nascemos; um bairro cultural, bem eclético, no qual tivéssemos ali uma marca que se superasse. Nós começamos no espaço de 15 m², que era necessário para estarmos no mercado. Nós fazíamos também eventos e feiras; uma experiência muito boa, porque observamos a reação das pessoas, a aceitação. Após quatro anos fomos para um espaço maior, de 120 m² ao lado do endereço que tínhamos. (…) A gente percebeu que a Preta Pretinha contribuiu muito para o afroempreendedorismo, conseguimos atravessar a fronteira das bonecas, tivemos visibilidade. Foi o início de um sonho!
Poder contribuir como negras na história do Brasil é incrível. Estamos presentes no livro de história do autor Alfredo Boulos, demos entrevistas internacionais. Queremos fortalecer a imagem do negro. Preta Pretinha não é só sobre bonecas, é sobre o conceito. Após a Preta Pretinha, surgiram outras bonequeiras e artistas trazendo, cada uma, na sua linha de segmento, uma beleza diferente (…). E precisa ter sim. Porque demorou muito, então tem que ter uma (loja de bonecas pretas) em cada esquina.
MUNDO NEGRO: Como o seu negócio se modificou ao longo dos anos com a entrada de outras marcas no mercado?
PRETA PRETINHA: Modificar exatamente não, melhoramos. Temos que nos fortalecer! Esse crescimento de outros artistas é gratificante, pois torna-se multiplicador da variedade, gera black money. Para cada artista mostrar seu trabalho. Tudo isso está relacionado a questão do negro no Brasil; precisamos nos unir, temos de possuir o poder, sobretudo o financeiro – que está muito ligado ao que nós podemos construir e sair fora dessa questão social tão pequena e miserável. A união precisa ser um multiplicador. Não só na área das bonecas, mas em todos os segmentos.
Depois de Preta Pretinha surgiram outras marcas, como a marca Lucco Artesã e, recentemente, foi lançada a marca Era Uma Vez Um Mundo. Quero ressaltar também que a Preta Pretinha existe desde 2000, estamos há 20 anos no mercado. Fomos a primeira loja de bonecas negras do Brasil! Com passar do tempo, após quatro anos de existência, percebemos a necessidade de criar os bonecos da diversidade e inclusão.
MUNDO NEGRO: Há alguma história marcante de clientes com suas bonecas?
PRETA PRETINHAS: Há várias histórias marcantes, uma em especial foi logo no início, em 2001. Haviam alguns garotos negros da comunidade que carregavam sacolas na feira livre, na nossa rua. Essas crianças sentiam muita curiosidade sobre os bonecos que ficavam expostos em nossa calçada; eles passaram a entrar na loja, contávamos histórias sobre a beleza negra. Um dia, o menorzinho deles, ficou muito triste pelos demais amigos dizerem que ele se parecia com um dos nosso bonecos. Em pratos, ele dizia que não parecia pois o boneco não era bonito. Ao questioná-lo o porquê de dizer isso, ele respondeu que o boneco era feio pois todos diziam que a pele preta era feia. Ali eu vi a necessidade de trabalhar com essas crianças, todo sábado eles vinham para conversarmos sobre ser negro e a autoestima deles. Dei a ele o boneco, disse que parecia com ele, pois ele era lindo. Essas crianças aprenderam sobre a beleza negra e depois passaram a levar outras crianças para aprender também, corrigiam aqueles que faziam algum tipo de racismo. A importância de ser reconhecido como belo! O mais velho desses, o Lucas, até hoje têm contato conosco, tem filhos e sempre participa dos nossos eventos. Isso é muito lindo!
MUNDO NEGRO: Qual a sensação de contribuir para a representatividade de crianças e mães negras?
PRETA PRETINHA: É importantíssimo! Nós passamos por ataques dia a dia, sofrimentos. É muito triste saber de cada criança que passa por todo tipo de violência e cada mãe que perde seu filho, é uma dor muito grande. A contribuição da Preta Pretinha está ligado a isso, nos fortalecer e nos unir, fazendo um trabalho em conjunto.
MUNDO NEGRO: Qual sua relação com as bonecas, enquanto mulher negra? Como foi sua infância?
PRETA PRETINHA: Somos abençoadas de vir na família que viemos, que nos passava toda a questão da negritude, o que é “ser negro”, as dificuldades que enfrentaríamos enquanto negras. Se não tivéssemos esse alicerce, da família trabalhando nossa autoestima, não sei como seria. Nós amávamos brincar de bonecas, até batizado delas nós fazíamos, sempre trabalhando a nossa autoestima enquanto crianças negras. É muito importante empoderar essas crianças!
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