Recentemente, fomos surpreendidos pela fala do presidente Lula sobre a miscigenação. Segundo o presidente, apesar do terrível passado colonial do país, que provocou a chegada em massa de africanos escravizados, uma coisa boa aconteceu: a miscigenação.
Os deslizes cometidos pelo petista, quando o tema se refere à constituição racial brasileira, não são de agora. Certa vez, ao ser perguntado por Mano Brown, no podcast Mano a Mano, sobre sua classificação racial, Lula respondeu dizendo “sou preto, sou branco, sou qualquer coisa”. Desta vez, Lula tratou a miscigenação de forma romantizada sugerindo que ela seria uma das nossas maiores virtudes.
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Lula, assim como milhões de brasileiros, reproduz um discurso do senso comum que interpreta a miscigenação como produtora de um país diverso e racialmente harmônico. É verdade que comparado a outros países com passado escravista, o Brasil tem graus maiores de miscigenação. No entanto, os motivos deste alto grau de mistura são problemáticos. Em primeiro lugar, porque o início da miscigenação no Brasil é marcado pela violência sexual. E em segundo, devemos considerar que mesmo as relações inter-raciais consensuais eram, muito provavelmente, racialmente hierárquicas.
A colonização portuguesa foi uma empreitada masculina e por isso o número de mulheres brancas na colônia era pequeno. Neste sentido, para satisfazer os desejos sexuais dos escravizadores, diversas mulheres negras e indígenas foram estupradas. No pós-abolição, no final do século XIX, a miscigenação foi uma questão paradoxal: se por um lado era mal vista pelas elites que a entendiam como sinônimo de atraso econômico e cultural, por outro foi a solução encontrada pelos eugenistas brasileiros para dar fim aos descendentes de africanos. O plano do estado brasileiro era eliminar negros e mestiços em 100 anos. Foi somente na década de 1930 que a miscigenação foi ressignificada por autores culturalistas como Gilberto Freyre, e colocada como símbolo maior da identidade nacional.
O grande problema é que com o discurso da identidade nacional mestiça, surge também o mito da democracia racial, discurso muito presente no imaginário social brasileiro e reproduzido pelos grandes meios de comunicação. A romantização da miscigenação impede um debate mais profundo sobre o racismo no país. Embora o Brasil seja um país miscigenado, é importante entender como o uso do discurso da misigenação ao longo do tempo serviu ora como mecanismo de apagamento do negro, ora como negação do racismo estrutural.