Por Zaira Castro – Jurista e Advogada
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) reconheceu que no Brasil o racismo é institucional, o que implica diretamente na não aplicação da lei antirracista, destacando que “Da prova testemunhal, passando pelo inquérito na polícia até a decisão do Judiciário, há preconceito contra o negro. Os três níveis são incapazes de reconhecer o racismo contra o negro”.
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Em 2021 a CIDH publicou seu relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, já que em 2018, a Comissão realizou uma visita in loco no território brasileiro com a avaliação até dezembro de 2019, e enfatizou que as pessoas afrodescendentes historicamente estão inseridas em um contexto de discriminação estrutural e de racismo institucional, numa subjugação que segue presente na sociedade brasileira e se repetem nas distintas estruturas estatais, também ressaltou que isso foi constatado em seu primeiro relatório sobre o país no ano de 1997.
Sendo assim, a resposta é notória por não existir prisões ou penalizações decorrentes dos crimes de racismo no território brasileiro, porque o Brasil é um país institucionalmente racista, que nega constantemente a existência da discriminação racial no seu território. Um dos argumentos é ausência de tipificação do crime que, em regra, para a comprovação da prática do racismo, exige a intenção do ofensor ao discriminar a vítima.
Além disso, há sempre uma minimização da atitude do agressor, que sempre pede desculpas, expondo que tudo não passou de um simples mal entendido. E, ainda os casos denunciados são pouquíssimos, pois as vítimas não querem passar pelo transtorno judicial, haja vista que em sua maioria é barrado na delegacia, onde os delegados minimizam a ação do acusado, interpretando como um simples mal entendido.
Deste modo, das denúncias que chegam a virar inquérito, muitas são descaracterizadas, e somente são aceitas como injúria racial, crime este de ação penal privada que depende da iniciativa da vítima para que o processo seja iniciado. E a maioria das vítimas de racismo no Brasil vive uma situação vulnerável e não tem como contratar advogados, sequer tem conhecimento da legislação específica, e quando vai aos órgãos competentes, o procedimento fica estagnado, e por vezes o autor da injúria racial fica impune. Até porque o prazo da ação penal privada é de seis meses para ofertar a representação e ingressar com a queixa-crime.
E cabe destacar que a consequência da desigualdade racial decorre do “racismo institucional”, das práticas individuais e estruturais que naturalizam a hierarquia racial. Senão, vejamos, a lei conduz à interpretação de que para condenar alguém por racismo, exige que o acusado tenha agido com intenção discriminatória, ou seja, com o dolo, que é uma conduta intencional, espontânea e com o objetivo do resultado ilícito . Por conseguinte, os tribunais não são uníssonos nas decisões para lidar com esse tipo de crime, e os magistrados não sentenciam os culpados por crime de racismo. Logo, o judiciário e a sociedade brasileira não estão dispostos a colocar os criminosos na prisão por um tipo de atitude que é naturalizada no Brasil.
O racismo é imprescritível e inafiançável, ou seja, é punível com pena de prisão de um a cinco anos, iniciado através de ação penal pública (autor é Ministério Público). Já a injúria racial é punível com pena de reclusão de um a seis meses, cabível através de ação penal privada e prescritíveis. Daí porque é mais fácil tipificar tão somente a injúria ou até difamação, já que a vítima da ação tem apenas um breve prazo de seis meses para lutar por justiça diante da violação de um direito constitucional, o que conduz ao crime não ser punido.
Vale ressaltar que as denúncias de crimes de racismo não se transformam em processos criminais e dos poucos são processados, um número ínfimo de perpetradores dos delitos raciais é condenado. Nesse ínterim, a CIDH em 2006 também recomendou que o Brasil, adotasse e instrumentalizasse medidas de educação dos funcionários de justiça e da polícia com o objetivo de evitar ações que provoquem discriminação nas investigações, no processo ou na condenação civil ou penal das denúncias de racismo.
Contudo, no Brasil, existe legislação específica, como a Lei 7716/89 que penaliza os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor, bem como o artigo 140 do Código Penal que pune a injúria consistente na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. A punição no território brasileiro é frágil, considerando a falta de aplicação normativa, inclusive com base no relatório da CIDH ao reconhecer que a Justiça brasileira tende a ser condescendente com a prática de discriminação racial e que dificilmente condena um branco por esta ação, até conduzindo à falsa impressão de que no Brasil não acontecem práticas discriminatórias, e suponho que por isso um dito cujo declarou que no Brasil não existe racismo.
Portanto, as pessoas não são presas no Brasil pelos crimes decorrentes de racismo, em razão da dificuldade de comprovar o crime de ódio culminado com a intenção racista, ao exigir a que o acusado da tipificação do crime de racismo declare que teve um ato preconceituoso numa conduta motivada pela discriminação racial, além da ineficácia do judiciário em investigar e sentenciar os crimes decorrentes de preconceito de raça ou de cor junto ao perene racismo institucional e discriminação estrutural histórica, que abarcam na manutenção de uma mísera cultura de domínio racial num ciclo irreparável de violações de direitos humanos.