Polícia de SP enquadrou 31 mil negros como traficantes em situações semelhantes às que brancos foram considerados usuários

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Polícia de SP enquadrou 31 mil negros como traficantes em situações semelhantes às que brancos foram considerados usuários
Foto: Marcelo Camargo / Arquivo Agência Brasil

Uma pesquisa do Centro de Estudos Raciais do Insper revela que a cor da pele influencia significativamente na classificação de indivíduos detidos com drogas pela polícia de São Paulo. O estudo aponta que pessoas pretas e pardas são mais frequentemente enquadradas como traficantes em comparação a pessoas brancas, mesmo em casos com pequenas quantidades de maconha.

Entre 2010 e 2020, 31 mil pessoas pretas e pardas foram categorizadas como traficantes em circunstâncias semelhantes às de brancos, que, em contrapartida, foram tratados como usuários. Essa disparidade é suficiente para lotar 40 dos 43 Centros de Detenção Provisória (CDPs) masculinos do estado, todos enfrentando superlotação, conforme dados recentes da Secretaria de Administração Penitenciária.

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O estudo, conduzido pelo pesquisador Daniel Duque, baseou-se na análise de 3,5 milhões de boletins de ocorrência. Duque observou que a chance de um suspeito preto ou pardo ser enquadrado como traficante é 1,5% maior em comparação a um branco. A Lei 11.343/2006, que ampliou as penalidades para traficantes e despenalizou consumidores de drogas, resultou em um aumento do encarceramento em massa, segundo o pesquisador. A falta de critérios objetivos na lei faz com que a decisão recaia exclusivamente sobre o julgamento dos policiais.

“O desafio desta pesquisa foi eliminar outros aspectos de cada caso para isolar o fator raça e cor”, explicou Duque ao jornal Folha de S. Paulo. A pesquisa revela que o racismo é mais evidente em casos envolvendo pequenas quantidades de drogas leves, como a maconha. Em casos de grandes quantidades ou drogas pesadas como crack e cocaína, o tratamento tende a ser mais uniforme.

Michael França, coordenador do Centro de Estudos Raciais e colunista da Folha, destaca que o grau de instrução também é um fator decisivo na classificação pela polícia. Indivíduos com ensino médio completo ou superior são tratados como usuários, enquanto aqueles com menor escolaridade são classificados como traficantes, mesmo em condições semelhantes.

“O acesso desigual à educação entre brancos e pessoas pretas e pardas agrava essa disparidade”, argumenta França. Ele aponta ainda as consequências dessa diferenciação no mercado de trabalho, que já é mais restritivo para pretos e pardos. “Ser rotulado como traficante, mesmo sem condenação, prejudica ainda mais as oportunidades de emprego.”

A pesquisa também indica que a desigualdade no enquadramento é menos acentuada em regiões com maior população negra. Curiosamente, o período de maior impacto do critério racial no enquadramento como traficantes coincidiu com a crise econômica entre 2014 e 2017.

Ao longo dos dez anos estudados, 80% das apreensões de drogas resultaram em autuações por tráfico, percentual que subiu para 84,3% em 2020. A proporção de pretos envolvidos nas ocorrências se manteve estável, enquanto a de brancos caiu e a de pardos aumentou.

A maconha foi a droga mais apreendida para consumo (65,2%) e tráfico (36,3%), seguida por cocaína e crack. Substâncias sintéticas e lisérgicas apareceram em menor escala, tanto para consumo quanto para tráfico.

São Paulo foi o único estado a fornecer dados para a pesquisa, apesar das tentativas dos pesquisadores de expandir o estudo para uma análise nacional. A pesquisa alimenta o debate sobre a necessidade de critérios objetivos na legislação e a urgência de uma abordagem mais justa por parte das forças de segurança, um tema que o Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a discutir nesta semana.

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