
Na noite da quinta-feira 24 de abril chovia em São Paulo, mas muitos negros e negras foram ao teatro do SESC da Consolação para assistir ao espetáculo “Pai contra mãe ou você está me ouvindo?”, com o Coletivo Negro. Foi uma grande noite, em que a plateia se emocionou e vibrou com a atuação de Aysha Nascimento, Flavio Rodrigues e Raphael Garcia. Excelentes atores que entregaram beleza, leveza e criatividade nesta bela homenagem a nosso grande escritor Machado de Assis.
A trama do espetáculo é construída com cenas belíssimas de um casal de negros que se apaixona nos vagões do metrô de São Paulo. Ver cenas de amor, com delicadeza e alegria nos leva a uma cumplicidade na interpretação da Aysha. Utilizando recursos de filmagens e um cenário bem cuidado, ela nos aproxima do amor de duas pessoas negras. Cenas do nosso quotidiano paulistano que, nas idas e vindas apressadas da rotina da cidade, deixamos passar sem nos darmos conta da beleza de um casal que se ama.
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O Coletivo Negro é um grupo de teatro preocupado com a presença de pretos e pardos nos palcos e, com muita coragem, decidiu encenar de forma corajosa o livre diálogo com o conto de Machado de Assis. Entre as diferentes histórias contadas, uma tem um tom mais dramático, que deixa a respiração da plateia em silêncio em suspenso. É a de Zaíra da Conceição, mulher negra, grávida, que vai ao mercado com uma lista de compras para comparar preços e é perseguida por Oswaldo, homem negro que conseguiu emprego de segurança de supermercado. História que nos remete ao conto machadiano Pai contra Mãe.
No monumental conto de Machado de Assis “Pai contra Mãe”, que relata a história de Candinho, desempregado, endividado e recém-casado com Clara, sobrinha da Tia Mônica. O casal está grávido de oito meses, morando de favor na casa da tia. Candinho vive um drama da ameaça de ser despejado, pois deve alguns meses de aluguel. A tensão é intensa. Caso não consiga trabalho, deverá entregar seu filho à roda dos enjeitados, onde abandonavam-se crianças que ficariam sob os cuidados de instituições de caridade. Candinho, no papel de capitão do mato avulso, captura Arminda, que estava grávida, no texto de Machado de Assis:
“Arminda caiu no corredor. Ali mesmo o senhor da escrava abriu a carteira e tirou os cem mil-réis de gratificação. Cândido Neves guardou as duas notas de cinquenta mil réis, enquanto o senhor novamente dizia à escrava que entrasse. No chão, onde jazia, levada do medo e da dor, após algum tempo de luta a escrava abortou.”
Uma história semelhante à vida de tantas mulheres negras da periferia que não têm o direito de ter seu filho com dignidade; homens trabalhando como entregadores que entregam seus melhores anos de vida pedalando pelas ruas, vielas e avenidas de São Paulo, ou fiscalizando pobres criaturas nos supermercados. Todos lutando para se manterem vivos, e fazer a valer a primeira lei dos escravizados: manter-se vivos.
Machado de Assis inspirou esses jovens artistas, que com um grande trabalho de imaginação, com uma cenografia e músicas quentes que retratam a vida sofrida dos desempregados e precarizados.
“Escuta o que vou te dizer
Quem manda no mundo
não muda
Quem manda no mundo
Quem manda no mundo
Não muda”
Um espetáculo com músicos brilhantes que tornam o conjunto harmônico com uma experiência teatral que toca o coração de todos e leva ao palco uma das obras machadianas que consegue transpor o tempo e o espaço. Se você não assistiu, corra e vá assistir. Se já assistiu como eu, leve amigos, amigas e parentes para prestigiar o teatro negro paulistano.
Veja aqui a programação e os ingressos disponíveis!
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