Mundo Negro

‘Os Quatro da Candelária’ e as Paternidades Negras: Um olhar humanizado para os cuidados dos homens negros 

Foto: Netflix

Eu, ainda, vou levar muitos dias para me recompor da série ‘Os Quatro da Candelária’. Sinto as cenas reverberando em mim em qualquer momento do meu dia. Ao ouvir as primeiras notas de “Além da razão” do maravilhoso poeta Luiz Carlos da Vila, eu caí num choro compulsivo. 

O primeiro episódio do menino Douglas (Samuel Silva) nos explicita a vida de um menino negro que perde o pai biológico de forma violenta, mas encontra a paternidade em outro homem que o cuida, o acolhe e o ama. Ao saber da morte do pai adotivo, Douglas passa todo o episódio lutando para realizar um enterro digno ao pai. O pai adotivo de Douglas, vivido pelo ator Leandro Firmino, tenta promover a ele elementos básicos de cuidado e proteção que o menino, fugido da FUNABEM (já falei sobre essa instituição aqui, em artigos anteriores) por causa das violências ali sofridas, não tivera, até então. O vício na cola faz com que Douglas não consiga ficar. Mas ser cuidado pelo pai que o olha, humanizando-o, que o cuida, que o abraça, é o vínculo mais profundo do menino. 

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O episódio de Sete (Patrick Congo), o jovem de 18 anos recém-completados escancara, mais uma vez a paternidade negra. Sete é um homem negro gay, que escancara sua homossexualidade para quem quiser ver. Sete, nos auge dos anos 90 tem o desejo de ser marinheiro. Sete seria o João Cândido dos nossos tempos. O sonho de Sete é o que nos guia em toda a sua trajetória. Mas é a relação dele com Pipoca (Wendy Queiroz) que nos movimenta e emociona.

Sete se torna o pai adotivo de Pipoca (Por falar em Pipoca, no episódio dela, eu só chorei do início ao final.). A relação é de proteção e de cuidado, permeada de afeto mútuo. Pipoca compreende Sete, percebe suas tristezas, celebra suas alegrias. Pipoca o humaniza. Sete que vivencia toda sorte de violência em suas relações afetivas e por meio do machismo e racismo associados, mas a menina o trata como um pai. É ali que a relação dos dois se estabelece. O amor de Sete por Pipoca, que se constrói nas ruas do Centro do Rio de Janeiro é tão grande, a ponto de adiar a viagem que o deixaria mais próximo de realizar seu sonho, para cuidar dela, naquela noite. 

As masculinidades negras estão retratadas nessa série de uma forma tão profunda e tão necessária. Os pais negros heterossexual biológico e adotivo, assim como o pai negro gay, estão nas cenas nos ensinando como se paterna nos aspectos mais adversos possíveis, por meio do exercício do cuidado. Eu, como um paternólogo (especialista em paternidades), sigo impactado com o que a série nos entrega. 

No Brasil, alguns grupos sobre paternidades de homens negros e institutos, como o Instituto Mapear, têm se dedicado em trabalhar essas temáticas. Vale pesquisar para conhecer mais sobre o tema e aprofundar o entendimento. 

Texto: Luciano Ramos, Especialista em Masculinidades e Paternidades Negras e Diretor do Instituto Mapear

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