*Por Amanda Gomes, Alex Barcellos e Thiago Vinicius
A crise do novo coronavírus afeta a humanidade em nível global e demonstra a necessidade de criar empatia por nossos semelhantes. Mais do que nunca é preciso tecer um olhar colaborativo, coletivo e de responsabilidade. Para sairmos fortalecidos da crise que se instalou na pandemia, o Brasil precisa assumir seu compromisso em diminuir a desigualdade social que reduz inúmeras pessoas a condições sub-humanas de existência. Devemos construir outro pacto social e assumir que não é mais possível ter uma sociedade baseada no lucro excessivo e na competição individual, essa falácia da meritocracia envelopada no discurso neoliberal.
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Enquanto sociedade só podemos assumir a responsabilidade do nosso problema quando nos emanciparmos da condição de subalternos perante o global, mas isso só é possível se olharmos para dentro. Nesse sentido, as periferias têm muito a dizer, mas essas regiões, identificadas por uma questão geográfica, possuem pouca ou nenhuma participação nas decisões políticas e econômicas do país.
Dentro desses territórios, a lógica de existência sempre foi pautada por necessidades, sejam elas sanitárias, de alimentação, de moradia, de educação, de cultura, mas, principalmente, de reconhecimento como seres humanos dignos de cidadania. O Brasil possui uma dívida histórica com seus cidadãos, que é a herança do tráfico internacional de mão de obra escravizada. O país foi o último no mundo a abolir a escravidão, essa nefasta herança econômica.
Falar de futuro é compreender o presente e seu passado. Por essa razão, nesse momento de pandemia, buscamos construir um advocacy negro de inteligência para garantir a sustentabilidade de redes que fazem parte de organizações negras, que nasceram para atender a uma necessidade local, que estava sendo negligenciada. A periferia quer viver, quer alimentação saudável, as mães querem a segurança de que seu filho vai chegar em casa com segurança, quer construir renda, fazer cultura, se manifestar e ocupar esse país racista e classista.
Trata-se de compreender na base que economia na periferia é emprestar a calça do mais velho para o mais novo, é socorrer a vizinha quando o gás acaba, é fazer um mutirão no dia de enchente é uma lógica genuinamente de coletividade, onde o equilíbrio só pode existir se garantirmos o bem estar social de todas as pessoas. Dados da ONU apontam que teremos problemas civilizatórios se continuarmos negligenciando a educação como um direito e a fome como uma meta a se erradicar no mundo.
A compreensão da economia como espinha dorsal das famílias populares é o que rege as nossas ações até hoje. A partir disso temos trabalhado com a pauta da cultura, da alimentação saudável, dos direitos humanos. Identificamos que desertos alimentares nas periferias vêm aumentando todos os anos com o avanço das redes de fast food, falta de pontos de venda de orgânicos e aumento de alimentos industrializados. Entendemos que é importante que o consumo e a compra sejam conscientes para fortalecer toda essa rede econômica de qualidade de vida saudável familiar e de responsabilidade ambiental.
São movimentos singulares de uma concepção de território que está para além de pensar as caixinhas da economia, pautada pelo mercado ou pelas políticas de Estado que muitas vezes não entende a necessidade real de seus cidadãos. São inúmeras as tecnologias sociais criadas pela lógica da criatividade, que entendemos como lógica de sobrevivência. Desta forma, nos organizamos, compreendendo nosso lugar de origem e fazendo o resgate de nossas narrativas para reforçá-las perante o mundo, assim não nos resignamos pela falta, mas potencializamos a nossa existência de maneira a atingir soluções para os problemas sociais que o nosso povo enfrenta. Milton Santos já dizia que um novo mundo possível surgirá das periferias.
Refletindo sobre esse mundo, precisamos confrontar a ideia de que a elite é vanguarda neste país. Por séculos fomos pautados pelo estigma social de sermos pobres, pretos, periféricos, favelados. As nossas tecnologias vêm de longe, bebemos nas fontes dos nossos ancestrais negros e indígenas, temos uma visão de cultura antropológica, não a da academia, mas a de sua essência, que procura compreender o saber do humano como um saber singular de povos, nascentes, florestas, árvores. Esses são os nossos territórios devastados por uma lógica de capital infrutífera.
Como nossa tecnologia é agregadora, nos juntamos a outras organizações negras de impacto social (Afrobusiness, Afrolatinas, Pretahub, FA.VELA e Vale do Dendê) em uma coalizão e criamos a ÉDITODOS, com o objetivo de fomentar o empreendedorismo negro e periférico pela ótica de quem vive isso de verdade. Só podemos propor solução porque estamos nos becos, nas vielas, cotidianamente. Andando de rua em rua, atendendo com cesta básica ou auxílio financeiro, sabemos o que é necessário para que o nosso povo na periferia saia dessa crise: é mais que a garantia de não passar fome, é pertencer a uma de sociedade igualitária, que envolva seus cidadãos nas decisões.
Temos realizado mudança na vida das pessoas, mas não podemos fazer isso sem que a sociedade compreenda essa luta como um fenômeno importante da transformação social contemporânea. É preciso olhar para empreendedorismo e renda no campo da cultura e em diversos outros campos sociais, é preciso pautar ações de emergência alimentar que sejam estruturantes e não apenas emergenciais. O Estado e os agentes da economia precisam se comprometer seriamente com a questão social do país. Precisamos de garantias para a união das favelas, para garantir o desenvolvimento local a partir dos territórios não só no pós pandemia, mas enquanto projeto de nação.
Amanda Gomes, Alex Barcellos e Thiago Vinicius estão à frente da Agência Solano Trindade uma das organizações fundadoras da ÉDITODOS
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