O desafio da formação docente diante da diversidade escolar

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O desafio da formação docente diante da diversidade escolar
Dra. Sandra Atayde (Foto: Arquivo pessoal)

Por: Rachel Maia

A construção social da educação inclusiva não depende apenas de boas ideias ou intenções nobres — exige políticas públicas e o compromisso de todos os envolvidos no processo educativo: professores, gestores, famílias e profissionais de apoio.

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A formação docente inclusiva é o elo entre o ideal das políticas públicas e a valorização da sala de aula. É o professor, no cotidiano escolar, quem transforma princípios legais em experiências concretas de aprendizagem e pertencimento. No entanto, sem o suporte adequado das instituições e do poder público, essa missão se torna sobrecarregada — e, muitas vezes, inviável.

No caso dos estudantes com deficiência e neurodivergentes, esse compromisso se amplia, envolvendo também especialistas como intérpretes, cuidadores, psicopedagogos, terapeutas e fisioterapeutas que, em parceria com a escola, podem garantir condições reais de aprendizagem e participação.

A professora Sandra Aparecida Atayde, doutora em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), com residência em Ortopedia pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), é também fisioterapeuta docente do curso de Fisioterapia da Universidade Paulista (UNIP) desde 2001 — e contribui com essa pauta tão necessária: a inclusão de alunos com deficiência.

“Como professora e fisioterapeuta, tenho vivenciado de perto os desafios da inclusão escolar, que exige sensibilidade, empatia e conhecimento técnico — aspectos que só se fortalecem com investimento e valorização da formação docente”, afirma Sandra.

Professores, alunos e, consequentemente, seus pais enfrentam desafios em suas múltiplas dimensões — étnica, racial, cultural e socioeconômica. Vale destacar que o capacitismo é agravado quando o aluno também se depara com o racismo, como mostra a matéria no Jornal da USP sobre a pesquisa de mestrado realizada por Georgton Anderson da Silva, na Faculdade de Educação (FE) da USP, que apresenta a trajetória escolar de pessoas negras com deficiência. 

A pesquisa aponta que alunos negros com deficiência têm maior chance de evasão escolar — apenas 23,8% dos que têm 25 anos ou mais concluem o ensino básico. A falta de acessibilidade em escolas públicas e a abordagem pedagógica e didática são fatores determinantes. Isso evidencia que o que cada criança ou adolescente precisa para aprender e pertencer deve ser analisado com mais empatia, pois a singularidade é o primeiro passo para uma educação verdadeiramente inclusiva e transformadora.

Inclusão não é favor, é direito

Apesar de ser um direito garantido, as políticas públicas de inclusão ainda são falhas. Falta estrutura, acompanhamento e continuidade para que sejam, de fato, funcionais. É a instituição escolar que traduz o que as políticas públicas determinam em lei — e, muitas vezes, é também onde se revelam as lacunas entre a norma e a realidade.

“A inclusão não se limita a oferecer uma vaga e colocar o aluno na sala de aula; trata-se de garantir condições reais de ensino e aprendizagem, respeitando o ritmo e as necessidades de cada indivíduo. Só assim teremos uma inclusão verdadeira e transformadora”, diz a especialista.

Nas salas de aula, a diversidade se manifesta de múltiplas formas: estudantes com deficiência — física, sensorial, intelectual ou com Transtorno do Espectro Autista (TEA) — demandam práticas pedagógicas diferenciadas, professores preparados e recursos de acessibilidade que garantam uma aprendizagem efetiva e equitativa.

“Em fevereiro deste ano, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) realizou uma audiência pública sobre a inclusão de pessoas com deficiência na educação. Nessa ocasião, muitos desses aspectos foram discutidos com o objetivo de tornar os direitos dessa população mais plenos e viáveis. Estamos no caminho, mas a trajetória ainda é longa — e olhar com atenção para o processo já representa um grande passo”, ressalta a professora.

Educação inclusiva é possível e urgente

Políticas como a Lei Brasileira de Inclusão (Lei n.º 13.146/2015) e a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) representam avanços importantes, mas sua efetividade depende diretamente da formação e valorização dos professores, do investimento e da infraestrutura acessível que dialogue com as necessidades dos alunos e com as demandas efetivas da escola.

“A inclusão só se torna efetiva quando há uma parceria real entre escola, família e profissionais especializados. O planejamento conjunto e o acompanhamento multidisciplinar são fundamentais para o desenvolvimento dos alunos”, pontua Atayde.

A formação continuada é frequentemente apontada como imprescindível para que o professor responda, de forma qualificada, às necessidades emergentes que correspondem ao guarda-chuva da diversidade. Porém, segundo dados do Censo Escolar da Educação Básica 2023, divulgado pelo Inep, apenas 41,3% dos professores participaram de alguma ação formativa voltada à inclusão.

“Na minha atuação como fisioterapeuta, observo o quanto o estímulo motor, cognitivo e sensorial pode potencializar o aprendizado — desde que haja integração entre saúde e educação”, destaca a doutora.

Em um país em que a inclusão ainda é um desafio cotidiano, investir na formação docente é o caminho mais sólido para transformar a matrícula em pertencimento. A escola deve ser um espaço onde todas as crianças — com ou sem deficiência, de diferentes origens, culturas e realidades — sejam reconhecidas, respeitadas e valorizadas em suas singularidades rumo ao aprendizado.

Promover uma educação verdadeiramente inclusiva e humanizada significa garantir que cada estudante encontre condições reais para aprender, conviver e se desenvolver plenamente.

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