Por Fernanda Macedo e Liliane Rocha
Um novo relatório da Oxfam revela que a crise climática não é fruto do acaso, mas o resultado direto de um modelo econômico que transforma o privilégio em licença para destruir.
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“Se todos vivessem como o 0,1% mais rico, o planeta colapsaria em menos de três semanas.”
A frase poderia soar como metáfora, mas é um dado real, trazido pelo novo relatório da Oxfam intitulado Saque Climático: como poucos poderosos estão levando o planeta ao colapso. O estudo revela o que há tempos se sussurra nos corredores das conferências do clima, o aquecimento global não é um acidente da história, mas o sintoma mais cruel da desigualdade.
A crise climática não foi provocada por toda a humanidade, e tampouco será resolvida em nome dela. Foi arquitetada e acelerada por uma elite global que concentra poder, riqueza e emissão de carbono em proporções grotescas. Uma pessoa entre os 0,1% mais ricos do planeta emite, sozinha, mais carbono em um único dia do que metade da população mundial em um ano inteiro. É o retrato de um sistema que transformou o privilégio em permissão para destruir, e o consumo desenfreado em sinônimo de status.
Desde o Acordo de Paris, em 2015, o 1% mais rico da população global queimou mais do que o dobro do orçamento de carbono do planeta, comparado à metade mais pobre da humanidade somada. É como se um grupo de privilegiados tivesse recebido uma senha exclusiva para consumir o ar que todos respiram e a usasse até o limite. Enquanto a maioria da população é pressionada a “reduzir plásticos” e “reciclar embalagens”, a elite corporativa continua pilotando jatos particulares, ampliando portfólios em petróleo e expandindo impérios financeiros que lucram com o colapso ambiental.
O relatório da Oxfam dá nome ao que se naturalizou: o “saque climático”.
Não se trata apenas de uma crise ambiental, mas de uma pilhagem deliberada dos bens comuns da Terra, conduzida por quem tem poder suficiente para escapar das consequências do desastre que provoca. O colapso, afinal, tem dono.
Na contramão desses acontecimentos, sabemos que os impactos da crise climática também têm endereço certo. Por isso, seguir ignorando essa equação significa também perpetuar o racismo ambiental, a engrenagem que faz com que os impactos mais devastadores da crise climática recaiam sobre quem menos contribuíram para ela: populações negras, periféricas, indígenas e comunidades tradicionais.
Enquanto uma parte da população acumula lucros e amplia sua pegada de carbono, em meio à onda anti ESG (Ambiental, Social e Governança) que está a pleno vapor no mundo, são esses grupos que enfrentam enchentes que arrastam casas construídas em encostas negligenciadas, ondas de calor que atingem bairros sem árvores ou infraestrutura, contaminação de solo e água causada por empreendimentos que burlam as legislações ambientais.
O saque climático, portanto, não apenas concentra riqueza nas mãos de poucos, como distribui sofrimento racialmente e geograficamente, transformando a desigualdade ambiental em mais um capítulo cruel de uma longa história de desigualdade social e racial no Brasil e no mundo.
Liliane Rocha é mestre de Políticas Públicas, CEO e Fundadora da Gestão Kairós consultoria de Sustentabilidade e Diversidade e Conselheira de Organizações.

Dra. Fernanda Macedo é especialista em ciências criminais pela UERJ,advogada da Gestão Kairós e professora no MBA do IBMEC.

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