Viola Davis já nos ensinou que o grande privilégio dessa vida é ser quem a gente é. Como mulher negra, esse conceito parece ainda mais desafiador, mas a trajetória de profissionais como Aline Lima, head de Diversidade, Equidade e Inclusão da Natura, mostra que as mudanças de carreira e a nossa origem nos tornam mais completos para desfrutar da nossa potência profissional quando a oportunidade certa aparece.

Filha de uma sacoleira e de um metalúrgico, a executiva de 40 anos hoje tem orgulho de onde veio, mas nem sempre foi assim. “Demorei muitos anos para aceitar minha identidade como mulher negra de origem periférica, porque a dor do não pertencimento me atravessava profundamente. Mas reencontrar minha ancestralidade foi o que me devolveu a potência.”

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Para Aline, a liderança tem desafios peculiares. “Ocupar uma posição de liderança como mulher negra é simbólico e potente. Representa a possibilidade de abrir a porta por dentro e mostrar que é possível. Mas também carrega uma grande responsabilidade, porque ainda somos poucas nesses espaços.”

Sua existência e resistência trouxe para a Natura um olhar especial para o tema diversidade, mas sua vivência traz a vantagem de uma escuta atenta com um tipo de consumidor historicamente ignorado. Nessa entrevista, ela descreve um momento durante um evento relacionado ao projeto Dandara, uma pesquisa inédita da Natura para estudar os hábitos, desejos e necessidades das mulheres negras e pardas que resultou na celebrada linha Tododia Jambo Rosa e Caju. “Uma fala que me marcou profundamente foi de uma mulher que contou que, na infância, a mãe usava óleo de cozinha para hidratar sua pele, porque não havia produtos feitos para nós. Estávamos falando da chamada ‘pele cinza’, causada pela falta de hidratação e de acesso. Aquilo me atravessou. Porque nos foi negado, por muito tempo, o direito ao cuidado e ao prazer.”

Mundo Negro – Quem é a Aline Lima para além da liderança na Natura? Você pode nos contar um pouco sobre sua trajetória pessoal e as experiências que moldaram sua visão de mundo e de trabalho?

Aline Lima – Sou uma mulher negra, bissexual, de 40 anos, filha de um metalúrgico e de uma sacoleira. Cresci em um lar onde a luta por justiça social era parte do cotidiano, meus pais sempre foram militantes pelos direitos dos trabalhadores e da moradia. Foi nesse ambiente que aprendi sobre dignidade, coletividade e coragem.

Demorei muitos anos para aceitar minha identidade como mulher negra de origem periférica, porque a dor do não pertencimento me atravessava profundamente. Mas reencontrar minha ancestralidade foi o que me devolveu a potência. Foi nesse processo que compreendi que não há como negar quem somos sem, junto disso, negar o que podemos ser. Quando criança, eu sonhava em ser diplomata. Hoje, percebo que, de certa forma, realizei esse sonho. Aprendi a construir pontes, traduzir realidades e conectar mundos, e é isso que faço todos os dias.

Mundo Negro – Em sua caminhada profissional, quais foram os momentos ou decisões que mais contribuíram para você ocupar hoje um cargo de liderança em Diversidade, Equidade e Inclusão? E o que essa posição representa para você como mulher negra?

Aline Lima – Minha trajetória é tudo, menos linear, e eu tenho muito orgulho disso. Hoje estou na minha terceira carreira. Comecei como advogada, atuei em grandes empresas do mundo corporativo, passei pelo terceiro setor, empreendi com foco em impacto social… e cada passo dessa caminhada foi construindo a tecnologia social que hoje levo para dentro das organizações.

Essa pluralidade de experiências, junto com a minha história de vida, me permite liderar a agenda de Diversidade, Equidade e Inclusão com uma perspectiva de negócio, mas também com consciência crítica. Aprendi a traduzir e, muitas vezes, hackear o sistema para provocar transformações reais, aquelas que não são só discurso, mas que geram impacto concreto.

Ocupar uma posição de liderança como mulher negra é simbólico e potente. Representa a possibilidade de abrir a porta por dentro e mostrar que é possível. Mas também carrega uma grande responsabilidade, porque ainda somos poucas nesses espaços. E quando somos poucas, sentimos que tem que dar certo. Não por vaidade, mas porque nossa presença pavimenta caminhos para outras. Isso me move e me enche de orgulho.

Mundo Negro – O projeto Dandara nasce a partir da escuta profunda das mulheres pretas e pardas. O que mais te emocionou ou surpreendeu nesse processo de pesquisa? Há alguma fala ou insight que ficou marcado em você?

Aline Lima – O que mais me surpreendeu foi a potência. Em 2022, estive em Salvador para conduzir rodas de conversa com mulheres negras de diferentes idades e vivências. E, apesar de todo o racismo, exclusão e sobrecarga, o que emergia era uma força visceral, um desejo legítimo de se cuidar, de ser feliz, de dar certo. Era como se, ali, entre tantas histórias, eu estivesse ouvindo a mim mesma. É impressionante o quanto nossas experiências se cruzam enquanto mulheres negras.

Uma fala que me marcou profundamente foi de uma mulher que contou que, na infância, a mãe usava óleo de cozinha para hidratar sua pele, porque não havia produtos feitos para nós. Estávamos falando da chamada “pele cinza”, causada pela falta de hidratação e de acesso. Aquilo me atravessou. Porque nos foi negado, por muito tempo, o direito ao cuidado e ao prazer.

O projeto Dandara mostrou que, quando escutamos com verdade, essas histórias se transformam em inteligência coletiva, e é essa inteligência que guia a inovação. Mais de duas mil mulheres compartilharam suas vivências. E foi dessa escuta profunda, feita com afeto e ética, que nasceu uma solução que nos representa de dentro para fora.

Mundo Negro – Como você tem buscado manter o equilíbrio entre a intensidade do trabalho com pautas estruturais e o cuidado com a sua saúde emocional, seu corpo e suas relações? Quais práticas de autocuidado têm sido essenciais na sua rotina?

Aline Lima – Lidar diariamente com pautas estruturais que nos atravessam exige um compromisso constante com o autocuidado. A psicologia analítica junguiana tem sido um pilar para mim. Sou analista junguiana e faço análise há muitos anos. Escolhi um terapeuta negro, com quem compartilho uma visão política e social alinhada, o que torna a jornada ainda mais potente. Muitas vezes, o que levo para a terapia são os atravessamentos coletivos, e ter alguém que compreende isso com profundidade é essencial.

Minha família é minha base. É onde encontro ombro, riso, amor e sustentação. Tenho também uma rede de aliados e uma equipe incrível. Costumo dizer que minha equipe na Natura são mais de 15 mil pessoas, porque vivo um momento de trabalho em que a colaboração atravessa cargos, áreas e funções.

Respeitar meus próprios ritmos também é fundamental, ter meu momento de ficar em silêncio, de ver uma série, de dançar no samba. Tudo isso me reconecta comigo mesma. O equilíbrio nasce dessa escuta, do corpo, da mente e da alma. E do entendimento de que seguir inteira é também parte da missão.

Mundo Negro – O que você gostaria que outras mulheres negras sentissem ao usar um produto pensado para elas, como a linha Tododia Jambo Rosa e Caju? Mais do que consumo, o que essa experiência de cuidado representa?

Aline Lima – Eu gostaria que elas se sentissem amadas. Amadas por elas mesmas. Que, ao tocarem a própria pele, pudessem lembrar da nossa beleza, da nossa importância, e de como vale a pena se cuidar com afeto, com prazer, com dignidade. Que elas recuperem esse direito, o direito de se olhar com ternura, de sentir orgulho da própria pele, do próprio corpo, da própria história.

Foto: Divulgação

Quero que saibam que, ao passar esse creme, ao sentir essa fragrância, elas não estão apenas se cuidando, estão se conectando a uma rede de mais de duas mil mulheres que partilharam suas vivências para tornar esse produto possível. Isso é potência coletiva. É representatividade cosmética com propósito.

Cada vez que eu uso, eu me lembro, nenhuma mulher negra deveria sentir vergonha da sua pele. O autocuidado, para nós, é também um ato de resistência. É um jeito de dizer ao mundo que ninguém mais vai definir o nosso valor. Que a gente sabe quem é. Que a gente merece. E que, sim, o amor-próprio também pode nascer de um gesto simples, mas cheio de significado.

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