Por meio de perfis, a campanha #NegrasRepresentam tem o objetivo de apresentar os pensamentos de mulheres negras em diversas esferas sociais e como suas ações vem propondo mudanças na realidade racial do país.
A área de Jornalismo é um setor que embora haja mulheres com visibilidade, ainda não é um espaço onde as profissionais negras transitam com naturalidade. Fernanda Bastos é uma destas que vem furando esse bloqueio, e mostrando como a presença destas faz a diferença. Além de sua paixão pela comunicação, ela tem uma ligação forte com a literatura, onde pesquisa literatura de autoria negra.
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Atualmente leciona Português no coletivo de educação popular, Território Popular espaço que considera uma experiência maravilhosa pela troca e aprimoramento que esse traz. Com trabalhos na área politica e setores privados, Fernanda foi comentarista de cinema e literatura, editora e repórter de programas jornalísticos na Cultura FM. Na TVE, apresentou o “ TVE Esportes” e atualmente é repórter do “ programa Nação”, referência na abordagem da cultura afro-brasileira exibido na TVE e TV Brasil.
Mundo Negro- Quem é a Fernanda Jornalista? O que você acha que mudou no perfil dos profissionais desta área?
Tenho procurado atuar em áreas mais próximas dos temas do meu interesse. Primeiro por ser no ambiente masculino e duro, como o político, que me aperfeiçoo e percebo que marcações como as de gênero e de raça determinam como seremos tratadas em espaços de poder. Lembro de frequentar a Câmara Municipal, onde fui setorista por bastante tempo, e ser a única negra em condição de poder tratar de igual para igual com os parlamentares. Na Assembleia Legislativa acontecia o mesmo, bem como no Palácio Piratini. Percebi que a minha presença desestabilizava muitas pessoas que não entendiam como uma pessoa negra poderia estar ali, circulando como elas, sem estar necessariamente servindo-as.
Desde que comecei a trabalhar como comentarista de cinema pela FM Cultura e apresentadora do TVE Esportes pela TVE, observo que o retorno das pessoas é muito carinhoso. O público tem essa demanda de se ver representado e o programa como “ Nação” que trabalha especificamente com a abordagem da cultura afro-brasileira, demonstra isso. Nossas temáticas, nossas vozes e nossas cabeças, além de nossa imagem, vem sendo apagadas da TV. Isso causa trauma no público, que não se vê. Sou gratas a todas que vieram antes de mim. Eu sou uma jornalista que ouviu desde cedo, em casa ainda criança, que era necessário trabalhar e ser três vezes melhor – como na canção dos Racionais MCs. Por isso, tenho tentado me aprimorar e ser a melhor profissional possível aonde quer que eu esteja.
Mundo Negro- Em sua opinião, se não vemos muitos jornalistas negros na TV, a culpa é de quem?
Uma recente pesquisa com as 500 maiores empresas do País mostrou a dificuldade de os negros ocuparem cargos de chefia. E não é por falta de formação, é um dos efeitos do racismo institucional. Temos a mesma formação, mas não conseguimos os cargos e os salários mais altos. E quem decide quem são as negras que vão para o ar, são as chefias. Já tive um editor-chefe negro, e agora trabalho com uma diretora negra (a grande Vera Cardozo), mas me sinto privilegiada, pois sei que no mercado dificilmente encontramos pessoas negras ocupando cargos de chefia.
Também observo que boa parte dos meus colegas negros é rotulado como “o jornalista negro” de tal veículo. Dificilmente estamos fazendo cobertura política ou de temas considerados “mais sérios”. Muitos colegas jornalistas têm mudado isso através de muito trabalho e enfrentamento, como a Flávia Oliveira e a Luciana Barreto, mas ainda temos pouca representatividade. Além da representatividade, tenho mencionado sempre a questão dos temas. Porque quando os negros não ocupam os espaços de produção de conteúdo, como na definição das pautas, reportagem e chefia, nossos temas e demandas não chegam na tela.
Temos que ter muita atenção para isso.Não basta apenas contratar uma repórter negra para dizer que está tendo pluralidade se impedir que pautas que dizem respeito à comunidade negra seguirem silenciadas. Também é necessário que não enquadrem apenas o jornalista negro para fazer essas nessas pautas. Fazemos com muito gosto, mas os colegas têm que entender que propor ou fazer uma pauta como de saúde da população negra é um dever de todos.
Mundo Negro – Como seu trabalho e atuação vem contribuindo para que possamos ter uma realidade um pouco diferente?
Em todos os veículos que trabalhei, devido ao número pequeno de jornalistas negros, minha presença em si só já representava algum tipo de enfrentamento. Por outro lado, notei que a partir da minha presença e minha atitude muitas vezes de cobrança passaram a ocupar mais espaço nos noticiários algumas pautas caras ao movimento social negro, como o genocídio da população negra e o enfrentamento à violência contra a mulher. Também é importante pensar que, quando ocupamos espaço na mídia, podermos sugerir fontes negras, bem como a cobertura de atividades de artistas, pensadores e pesquisadores negros e negras. Isso não é só positivo para a comunidade negra, pois também o veículo de comunicação sai ganhando com a pluralidade de vozes e uma representação mais próxima da realidade do povo brasileiro.
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