
Mulheres negras representam 70% das 2.730 trabalhadoras resgatadas em condições análogas à escravidão no Brasil entre 2003 e 2023, segundo dados inéditos do Projeto Perfil Resgatado, da Repórter Brasil, publicados pelo jornalista Leonardo Sakamoto em sua coluna no Uol. O levantamento, que cruza informações de sistemas oficiais do governo federal, revela que a interseccionalidade entre gênero e raça é um fator determinante na perpetuação do trabalho escravo contemporâneo no país.
Do total de mulheres resgatadas, 66% estudaram apenas até o ensino fundamental, e 16% eram analfabetas. A maioria (dois terços) atuava como trabalhadora rural, especialmente na pecuária e no cultivo de café, enquanto 8% estavam ocupadas no setor têxtil. Minas Gerais lidera o ranking de resgates, com 510 casos, seguido por Pará (419) e São Paulo (229).
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A invisibilidade das atividades desempenhadas por mulheres, como serviços de cozinha, limpeza e cuidado, contribui para a subnotificação de casos. Natália Suzuki, gerente de Educação e Políticas Públicas da Repórter Brasil, explica que muitas mulheres nem sequer eram consideradas resgatadas e não eram vistas como vítimas do trabalho escravo. Além disso, mulheres grávidas ou com filhos pequenos enfrentam violências específicas. A falta de protocolos específicos para atender mulheres vítimas de trabalho escravo, especialmente aquelas que sofrem abusos sexuais ou violência de gênero, é outro desafio apontado por especialistas.
O setor cafeeiro, que concentra grande parte das vítimas, tem sido alvo de fiscalizações nos últimos anos. Em 2023, foram 316 resgates no setor, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Grandes marcas globais, como Starbucks e Nespresso, já foram vinculadas a casos de exploração em fazendas fornecedoras. “Nas lavouras de café, há uma preferência por mulheres em etapas como a seleção dos grãos, sob a justificativa de que são mais cuidadosas”, explica Suzuki.
Desafios no combate ao trabalho escravo
Desde 1995, o Brasil já resgatou mais de 65 mil pessoas em condições análogas à escravidão. No entanto, a luta contra o crime ainda enfrenta obstáculos, como a falta de políticas públicas que considerem as particularidades de gênero e raça. Tatiana Bivar, procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT), destaca a necessidade de incluir mulheres nas equipes de fiscalização, especialmente em casos que envolvem exploração sexual ou trabalho doméstico.
O caso emblemático de Madalena Gordiano, escravizada por uma família em Patos de Minas (MG) e libertada em 2020, trouxe visibilidade ao tema, mas a sociedade ainda enfrenta resistências. “Muita gente vê o trabalho doméstico como uma ajuda, uma caridade, e não como exploração”, afirma Jamile Virgínio, auditora fiscal do MTE.
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