Por Charô Nunes
É com tristeza que fiquei sabendo sobre a profissão de “mulatólogo”. O termos foi criado por Julio César, homem negro que se dedica a agenciar e classificar mulheres pretas. Sua especialidade é basicamente a de alimentar o gueto midiático a que somos confinadas, nos “preparando” para trabalhar durante o carnaval e em shows de “brasilidade”. E como tudo que é ruim pode piorar, é com revolta que recebo a notícia que ele pretende processar por racismo (!!!) uma mulher negra (!!!) que se manifestou contra o termo em seu blog. Nesse caso, apesar de a ameaça nos querer fazer crer que se trata de uma questão de raça, estamos falando de gênero.
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A profissão de mulatólogo torna inviável qualquer ressignificação do termo mulata, que apesar de todos os esforços das passistas não consegue escapar de sua origem. É como se fosse possível falar de um sommelier ou especialista de mulas e ao mesmo tempo nos querer fazer crer que isso não é ofensivo. E não adianta mudar o nome da coisa, o passistólogo vai continuar rotulando, classificando e agenciando mulheres pretas de acordo com sua idade e tipo de corpo. Continuará a nos transformar em produto de exportação, hiperssexualizadas, prontas para sermos consumidas aqui ou no estrangeiro. Estamos falando de machismo.
O mulatólogo colocando em risco um de nossos principais compromissos éticos que é o de não tratar gente como coisa. Se aproxima dos anúncios publicitários machistas que recorrem ao artifício de comparar mulher a produtos para demonstrar a ideia de que existiriam melhores ofertas. Essa estratégia, apesar de banal, é gravíssima: algumas mulheres seriam melhores que outras assim como alguns produtos. Isso se dá por meio da padronização daquilo que seria uma mulata, feito a partir de critérios machistas desse homem que se dispõe a selecioná-las a partir de critérios que não serão estabelecidos pelas passistas. Para isso existe o especialista.
Nós mulheres negras estamos acostumadas com isso. Esse ardil não é muito diferente de vender pessoas como peça, seja durante os 350 anos de escravidão. Estamos falando de transformar crianças, mulheres e homens negros em objetos, passíveis de serem comercializados, classificados e dispensados como lixo. Produtos que podem ser submetidos ao desejo de outrem não importa quando e com que finalidade. Estamos falando de deixar de ser gente e virar coisa, sem direito à voz e vontade. Pronto para ser classificado e rotulado. Como homem negro, esperamos que o mulatólogo entenda sobre qual dor estamos falando. Porque ela dóinem nossa carne e dói na dele também.
É por isso que, para que a profissão de especialista em mulatas exista, nós mulheres negras temos de abdicar de nossa humanidade ou em última instância nos calar diante da prática machista de classificar mulheres para este ou aquele fim de acordo com a cor da pele, idade e tipo de corpo. É por isso que, como mulher negra e em concordância com muitas outras, considero antiético que exista uma mulatologia, mulatólogo enfim. Sobretudo agora que uma comentarista está sendo ameaçada de processo por manifestar sua opinião contra esse acinte.
Como feminista, considero a transformação da mulata em produto exótico de época, submetido a classificações a análises, como problemática. Nós temos voz, vontade, livre árbítrio. Somos muito mais que uma área de conhecimento, somos gente. E justamente por isso não aceitamos que nossos corpos sejam avaliados, que sejamos hipessexualizadas ou que nos seja dito quando e onde podemos manifestar nossas opiniões contra aquilo que é publica e notoriamente machismo. Isso é defesa, isso é sobrevivência. Ela se dá nas ruas mas também sna definição de conceitos e termos que versam sobre nós.
O mulatólogo, diante de tanto rebuliço, comunicou em seu facebook que pretende se reunir com representantes do movimento negro para discutir o termo. Isso é alguma coisa. Esperamos que comece por retirar a ameaça de processo e ler com mais apuro as críticas dos seus comentaristas e de todas nós que estamos nos manifestando. Porque a mulher que deu sua opinião também merece ser ouvida tanto quanto qualquer outro militante. Tanto quanto outros comentaristas homens que disseram o mesmo. Por mais que isso pareça estranho aos olhos de alguns, ela também é movimento negro. Todas somos, dentro e fora da rede, nas pequenas ações, nas conversas com amigos, dentro e fora do carnaval, na escrita, na leitura e nos comentários de blogs.
E a mensagem é inequívoca e simples e todas nós entendemos muito bem: mulatólogo não é profissão, é machismo. Silenciar criticas que discordam de seu ponto de vista de maneira intimidatória também.
Charô Nunes escreve nos blgos Blogueiras Negras e Indigestivos Oneirophanta.
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