Não foi nosso primeiro encontro, mas foi a primeira vez que realmente a conheci. Rachel Maia é para mim um colosso de representatividade que vai muito além dos cargos incríveis que essa executiva ocupou ao longo dos anos. Os 30 anos da sua trajetória profissional compõem boa parte do seu primeiro livro “Meu Caminho Até a cadeira número 1” (Editora Globo). Cria da periferia de São Paulo, Rachel já foi CEO no Brasil da grife Lacoste e das joalherias Pandora e Tiffany & Co. e atualmente faz parte dos conselhos do grupo Soma, CVC e Unicef Brasil.
Para mim, uma mulher negra madura que abriu caminho para alguns, mas carece de representatividade no mundo dos negócios, Rachel é uma mulher admirável por dentro e por fora. É aquela luz que guia a gente.
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Em março, durante o mês das mulheres, tive a oportunidade de entrevistá-la. Rachel estava um com uma agenda corrida por conta da maratona de eventos relativos ao lançamento do seu livro. A obra de Rachel é realmente voltada para todo mundo, sendo uma leitura leve, mas nada superficial, onde a super executiva conta detalhes da sua trajetória profissional, mas também pessoal e isso faz com que toda mundo possa de identificar com pelo menos um capítulo do livro. “Eu recomendo que as pessoas leiam como convém, mas ler capítulos de forma aleatória, pode fazer com que algumas partes do livro, não façam muito sentido” recomenda a autora.
Rachel notou que eu estava usando um brinco da coleção da Pandora, que comprei durante a gestão dela e não por acaso, usei durante a entrevista como uma forma homenagem.
Dessa conversa de um pouco mais de uma hora, extrai alguns pontos principais:
As conquistas pessoais sempre inspiram mais do que as materiais
Viver sem referências para gente se inspirar gera um vazio. Oprah Winfrey, Barack Obama e Nelson Mandela, o que ela chamou em tom de brincadeira de “santíssima trindade”, são as grandes inspirações de Rachel, sem contar claro, sua própria mãe. Voltando aos ídolos estrangeiros, não é o lado de gestão que captou a atenção da executiva brasileira. “Olha no caso da Oprah, muitos pensam que gosto dela por causa da fortuna e da maneira que ela administra os negócios, mas não. Eu gosto da forma que ela viveu a vida, de como ela superou as dificuldades. Eu a vi a primeira vez assistindo ‘A cor púrpura’ e a figura dela, desde lá me chamou a atenção. Ela sofreu várias violências, foi estuprada e mesmo assim dedica a vida em prol do outro, inspirando as pessoas”.
Luxo pode ser bom, mas se apegar a ele, não é importante
A presença de Rachel é puro luxo. Ela é alta, anda e se porta como a autoridade que é, e sempre está impecavelmente vestida. Conversando com ela sobre luxo, vem a surpresa: ela circula nesse mundo das grifes, marcas de luxo e prestígio de forma bem ponderada, pelo menos em uma perspectiva mais pessoal.
“Eu faço faxina na minha igreja. Minha relação com o luxo sempre foi tranquila. Uma vez durante um voo acabei perdendo joias que comprei durante todos os anos que trabalhei na Tiffany & Co., algo irrecuperável, mas eu vou fazer o que? Eu compro as coisas das empresas que trabalho, como essa que estou vestindo (era uma camiseta da Lacoste), mas eu não vivo em função do luxo, na minha infância nunca nem imaginei fazer parte desse mundo”, detalha Rachel.
Servir a comunidade sim, mas sem pirar
Rachel é bem humilde ao avaliar sua importância como o maior nome da comunidade negra dentro do mundo corporativo, “Estrela da comunidade é a Tais Araújo”, disse ela em tom de brincadeira. “Eu tenho muita gente que precisa da minha atenção, que esperam respostas minha, mas é complicado poder atender todo mundo. Isso até é algo que trabalho em terapia, mas é impossível poder ouvir todo mundo. Nossa comunidade tem muitas necessidades”.
É difícil crescer sem rede de apoio
Pela conversa ficou evidente que sem uma rede de apoio, Rachel não seria essa mulher que a gente conhece. Ela é Sarah Maria e de Pedro Antônio. “Sempre contei muito com o apoio da minha mãe e da minha família para cuidar das minhas coisas. Minha casa tem sempre gente circulando, pessoas que me ajudam com as crianças e que confio integralmente, que ensinam coisas para os meus filhos e não fico em cima”, explica a executiva. E ao contrário de muitas mulheres de uma geração educada de uma forma que a dupla jornada é fonte de culpa, Rachel não tem nenhuma relutância em delegar funções. “Não tenho nenhum complexo de culpa quando deixo meus filhos com pessoas que confio para poder trabalhar. Acho que nós mulheres temos que nos livrar disso em algum momento”. Em relação aos filhos, ela é mãe de um casal, a mãe Rachel estimula a independência dos filhos. “Minha filha já sabe lavar louça desde que alcança a pia. Aqui em casa incentivo a independência e não tem isso de ficar esperando tudo ser servido, de mão beijada”, detalha.
Oportunidades para negros não podem ser esnobadas
A geração de Rachel e a minha também nem sabia o que eram ações afirmativas e programas de inclusão de pessoas negras. O racismo era visto como parte da sociedade, mas raramente problematizado como uma questão estrutural. Só a militância e ativismo negro via o mercado de trabalho de forma racializada. Se hoje temos grandes empresas como Bayer, Avon e Magazine Luiza implementando programas históricos para o aumento de pessoas negras nessas empresas, temos que focar também nesses jovens negros para que eles não deixem a oportunidade passar. Rachel é bem enfática sobre isso. “Não dá para ter essa mentalidade de que ações afirmativas são favores e que, portanto, a gente não precisa. A gente precisa se oportunidades sim e coisas assim nunca aconteceram. Não importa se você acha que é favor, se inscreva, participe dessas oportunidades que a gente não sabe se acontecerão novamente. Tem que se inscrever sim, tentar, participar e aproveitar essas chances feitas especialmente para pessoas da comunidade negra. Não é sobre ser coitadinho e precisar de ajuda, é sobre ter chance de mudar a sua vida”.
Meu caminho até a cadeira número 1 tem uma versão impressa e digital. Clique aqui para mais informações.
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