A coleção ‘Grão’, de Luiz Claudio para Apartamento 03, explora o diálogo entre o passado e o presente, com peças que evocam memórias, tendo Zezé Motta desfilando como ícone de força
Texto: Rodrigo França
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O desfile “Grão”, da Apartamento 03, na São Paulo Fashion Week, foi muito mais do que uma homenagem ao café – foi uma ode à memória, à cultura e à ligação íntima entre o Brasil negro e suas raízes. Sob a direção precisa e sensível de Luiz Claudio, o evento tornou-se uma experiência poética, onde as tramas dos tecidos se entrelaçavam com as histórias da terra, evocando um passado rico e ressignificado, sem perder a conexão com o presente. A escolha do café como ponto de partida para a coleção foi um gesto emblemático: assim como o grão transforma, amadurece e se espalha, a moda da Apartamento 03 se expande, abraçando novas perspectivas sem deixar de lado a sua essência.
Com uma cartela de cores que passeou pelo forte vermelho, preto, verde, tons terrosos, o branco e os cremes suaves que evocam a espuma de um café. A coleção “Grão” trouxe uma paleta natural e orgânica, que conectava a terra ao corpo. E tinha brilho, porque não dá para imprimir negritude sem. O uso de tecidos como o linho conferiu uma leveza quase etérea às peças, equilibrando o rústico e o sofisticado, o artesanal e o contemporâneo. Esse contraste entre o bruto e o refinado foi uma constante ao longo do desfile, refletindo a própria dualidade do café, que pode ser ao mesmo tempo simples e luxuoso, cotidiano e excepcional.
A construção arquitetônica das peças, com cortes precisos e silhuetas que dialogavam entre o ajustado e o volumoso, trouxe dinamismo à coleção. As formas trabalhadas com dobras e recortes estratégicos evocavam a imagem do grão que se abre, como se as roupas também estivessem em um processo de revelação e transformação. Luiz Claudio conseguiu transmitir a ideia de uma moda em movimento, que não se limita à mera estética, mas que se desdobra, tal como o café, de uma semente a uma bebida que desperta os sentidos.
O ponto alto do desfile foi a capacidade de Luiz Claudio em transformar a moda em uma experiência sensorial e emocional. Cada peça parecia carregada de histórias – do plantio ao café servido nas mesas de casas simples e de requinte. O designer captou a memória afetiva que o café desperta em tantas pessoas, e a traduziu em uma moda que é, ao mesmo tempo, narrativa e poesia visual. Esse diálogo entre o que é lembrado e o que é reinventado trouxe uma profundidade rara, e fez de “Grão” não apenas uma coleção, mas uma obra de arte que toca o íntimo de quem a contempla.
A trilha sonora, minimalista e envolvente, reforçou a atmosfera meditativa do desfile, convidando o público a uma introspecção sutil. O ritmo suave da música parecia sincronizado com o movimento das peças, criando uma fluidez hipnótica na passarela. Os modelos não apenas desfilaram; eles flutuaram em um cenário que parecia saído de uma memória coletiva, quase como se cada passo ecoasse a passagem do tempo, as mudanças de estação, e o amadurecimento do grão até seu estado final. Vale frisar a voz da atriz, cantora e autoridade Zezé Motta evocando um Brasil que também tem a sua riqueza trazida pelos negros.
A presença de Zezé Motta na passarela foi um momento de pura grandeza. A atriz e cantora, um ícone de resistência e cultura, trouxe consigo uma força ancestral que enriqueceu ainda mais o significado da coleção. A dama do teatro, do cinema e da música foi ovacionada. Seu caminhar firme e sua presença imponente deram vida à narrativa do desfile, como se ela mesma fosse a personificação da memória que Luiz Claudio tão habilmente teceu ao longo da coleção. Zezé representou, de forma majestosa, a força da mulher negra brasileira, que carrega em si toda a ancestralidade e resiliência que o tema “Grão” evocava.
Ao final, a coleção “Grão” deixou uma marca indelével na SPFW. Luiz Claudio conseguiu criar uma moda que é ao mesmo tempo íntima e universal, carregada de emoção e história, mas sem perder o foco técnico. A Apartamento 03 reafirmou sua posição como uma das marcas mais inovadoras e sensíveis do cenário nacional, com uma capacidade única de transformar o vestuário em uma expressão de memórias e sentimentos. E para quem esteve presente, ficou o desejo de revisitar essa jornada sensorial – como uma xícara de café que aquece e acolhe, trazendo conforto e inspiração a cada gole.
Confira as fotos do desfile:
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