Texto: Nalva Moura
Na cultura africana, a liderança é mais do que uma posição; é uma responsabilidade que transcende o indivíduo e fortalece o coletivo, respeitando as tradições comunitárias e religiosas que permeiam o cotidiano. É um elo vital que une o passado, o presente e o futuro, moldando a identidade e o espírito da comunidade.
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FOTO 3X4: Rudson Martins – Produtor de Elenco
Em maio deste ano, tive a honra de vivenciar uma experiência inesquecível com Sébastien Kiwonghi. Um homem da República Democrática do Congo, cuja presença irradia sabedoria e força. Ele nos guiou através de uma bênção ancestral, compartilhando sua inspiradora trajetória profissional. Foi um encontro cheio de significado, onde o passado e o presente se encontraram em um momento de profunda conexão e revisitação do continente africano.
Ao iniciar o encontro, a tradição foi enaltecida. Todas as mulheres presentes foram convidadas a levantar as mãos acima da cabeça de Sébastien, formando uma coroa de proteção e força ao redor dele para que tivesse sabedoria ao compartilhar as informações. Esse gesto espiritualizado, reconectou as participantes ao nosso país de origem. O canto ecoava em nossos corações e nos remetia a um ritual de união e apoio comunitário.
Sébastien nos conduziu por uma jornada visual e emocional, mostrando fotos de seu país e explicando o valor da família. Ele ressaltou a importância da educação como uma arma poderosa contra o racismo e as desigualdades socioeconômicas. Com sensibilidade, ele nos levou por sua infância, juventude, vida religiosa, carreira e a experiência de imigração para o Brasil.
Explorar a história de vida de Sébastien, um africano poliglota que domina oito idiomas e sentiu na pele o peso do racismo no Brasil, foi uma imersão profunda e que gerou muitas reflexões, pois sua narrativa trouxe à tona as cicatrizes do período de escravização, mas também celebrou a resiliência e a resistência dos ancestrais. Foi uma lembrança pungente da tradição oral e da importância de continuar lutando pela justiça e igualdade.
Sébastien é uma liderança negra, mas, para chegar onde está, teve que superar dificuldades e enfrentar desafios em todas as etapas de sua vida. Hoje, o Professor Dr. Sébastien Kiwonghi está na Pró- Reitoria de Intercâmbio e Internalização da Faculdade Dom Helder.
“Sou a voz dos excluídos que se faz presente na inclusão e na busca de direitos para a promoção de relações étnico-raciais. Jamais fugirei da luta!” Sébastien Kiwonghi.
Essa experiência me conectou com a herança dos meus próprios antepassados e mais uma vez, me chamou à reflexão. Aproveitei o momento para revisitar a minha história de liderança.
Comecei a construir a minha liderança muito nova, ainda na escola, enquanto representante do grêmio estudantil e atuando como catequista e educadora, representando a liderança negra da comunidade onde estava inserida.
Em meu primeiro emprego, idealizei o desfile “Beleza Negra”, pensando na valorização da autoestima das mulheres negras que trabalhavam na “firma” (linha de produção) e entendendo a potência deste movimento.
Em minha atuação no terceiro setor, liderei equipes e projetos de desenvolvimento de juventudes, atuando enquanto articuladora dentro do movimento negro e garantindo a prática da educação antirracista, trazendo dignidade para juventude periférica e oportunidades humanizadas. Ainda dentro da liderança comunitária, ganhei repertório para aplicar o meu conhecimento em outros contextos. Foram mais de 10.000 jovens impactados diretamente por estes projetos. Nessas experiências, pude alinhar o meu conhecimento ao desenvolvimento de pessoas e contribuição para o projeto de vida.
Nos últimos anos, enquanto liderança de projetos de aceleração de carreira e de desenvolvimento de mulheres pretas, tenho executado muitos processos de mentorias, onde não apenas desenvolvo mulheres para alta performance, mas também resgato diariamente a minha trajetória, na perspectiva de fortalecê-las, de gerar autoconsciência, resiliência e empoderamento, para romper a invisibilidade, garantir a manutenção das posições, nas empresas que elas quiserem e influenciarem o futuro do trabalho. O impacto desse trabalho? Mais de 1.000 mulheres que mudaram suas vidas e estão transformando realidades. Estamos construindo redes de mulheres potentes.
Depois de revisitar minha história e de gerar as fotografias em minha cabeça, de cada um destes momentos, pensei, UAU! Quantas coisas incríveis eu já fiz, quantas histórias eu tenho, quantas vidas impactei.
Muitas vezes, nós mulheres, nos sabotamos. Mulheres pretas ainda mais! Mas, não tenho deixado a impostora se sobressair.
Tenho clareza que só fui capaz de liderar todas essas frentes e pessoas, pois tive empatia, escuta ativa, seriedade e principalmente fui fiel à minha essência, aos meus ancestrais, aos meus pais, filhos e minha família.
Retomando ao ritual conduzido por Sébastien, que se aproximava do fim, foi feita uma roda mística, em que a energia e sensibilidade coletiva estava muito aflorada. Neste momento, fui homenageada pela liderança do programa do Pacto Transforma. E naquele momento gerei uma nova fotografia para guardar em minha galeria de momentos importantes relacionados à liderança.
Hoje, me considero uma liderança de impacto que vem trabalhando incansavelmente para continuar escrevendo uma história da qual minha família e todas as pessoas amigas que convivem comigo se orgulhem.
Nós, negros e negras, somos lideranças natas, fortalecemos a nossa identidade em contato com a nossa história e estamos prontos para jornada de combate e construção de uma sociedade menos racista, mais inclusiva e justa.
Sébastien, obrigada por essa linda experiência.
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