
A aprovação do novo marco do Licenciamento Ambiental pela Câmara dos Deputados representa um dos maiores retrocessos socioambientais da década — e seus impactos não serão distribuídos de forma igualitária. Esse projeto de lei, travestido de modernização, abre brechas graves para a dispensa de avaliação de impacto ambiental em empreendimentos de alto risco. Em um país marcado por desigualdades estruturais, é urgente nomear: trata-se também da oficialização do racismo ambiental como política de Estado.
Racismo ambiental é quando populações negras, indígenas e periféricas são as mais afetadas pelas decisões que destroem o meio ambiente, mas as menos ouvidas nos processos de decisão. É quando o desenvolvimento é autorizado em territórios onde o Estado historicamente só chega com abandono, ausência de serviços públicos ou repressão. É quando a floresta cai, o rio seca e a conta recai, mais uma vez, sobre quem tem menos recursos para se proteger.
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O novo texto aprovado flexibiliza o licenciamento a ponto de permitir que empresas façam autodeclarações em vez de estudos técnicos. Dispensa audiências públicas em determinados casos. E classifica como “baixo impacto” atividades que, na prática, podem causar desmatamentos, poluição e expulsão de comunidades inteiras de seus territórios.
Não é só sobre burocracia. É sobre justiça.
Quando o Estado abre mão de sua responsabilidade de fiscalizar, quem perde não são os grandes empreendedores — são os animais silvestres, que perdem seu habitat, são os povos tradicionais, empurrados à margem, e são as periferias urbanas, que verão os efeitos da degradação ambiental no preço dos alimentos, na escassez de água potável, no aumento das zoonoses e da insegurança climática.
Não há como defender os animais sem defender os territórios onde eles vivem. E não há como falar em defesa ambiental sem enfrentar o racismo estrutural que orienta as prioridades políticas e econômicas do país.
A aprovação desse projeto revela também a urgência de mais diversidade e representatividade nos espaços de decisão. Onde estavam as vozes negras e indígenas quando se decidiu o futuro das florestas e dos rios? Quando a política ignora quem mais sofre os impactos de suas decisões, ela se torna cúmplice da injustiça.
Mas este não é um ponto final. É um chamado.
Precisamos fortalecer as redes de mobilização, ocupar espaços de poder, articular movimentos e transformar indignação em ação política. Porque proteger o meio ambiente também é lutar contra o racismo. Porque defender os animais também é defender os povos e comunidades tradicionais e seu modo de vida. E porque a vida, em todas as suas formas, precisa estar no centro das decisões.
Priscilla Arantes é jornalista, especialista em comunicação de impacto, colunista do site Mundo Negro e coordenadora de projetos de advocacy voltados para justiça racial, ambiental e direitos humanos.
Natalia Figueiredo é gerente de políticas públicas da Proteção Animal Mundial Brasil. Atua com advocacy socioambiental, políticas públicas para o bem-estar animal e integração entre justiça climática e direitos das comunidades tradicionais.
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