“A casa de Oxum. A casa de axé”. A comunidade negra e tradicional de religiões de matriz africana está desde ontem, com essa frase na cabeça, após Léo Santos publicar um vídeo curioso no Instagram, relacionado ao Ilê Oxum Docô, do Babalorixá Pedro de Oxum, localizado no Rio Grande do Sul.
Em forma de sátira, o humorista fez um react com o vídeo publicado recentemente pelo perfil do terreiro. “O erro desse sacerdote é chamar um espaço gourmet desses terreiro de axé, quando na verdade parece um hotel, um espaço de estética, dentre os outros estabelecimentos que se assemelha”, disse Léo Santos em entrevista exclusiva ao Mundo Negro.
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No vídeo em questão, a equipe apresenta o terreiro que tem mais de 39 anos de atuação em Porto Alegre. Com o site www.oxum.com.br e redes sociais, eles oferecem serviços espirituais tanto no presencial, como no virtual, e o Babalorixá divulga que já atendeu diversas estrelas ao redor do mundo. Em um vídeo antigo, Pedro de Oxum inclusive aparece no antigo programa Domingão do Faustão, da TV Globo, ensinando simpatias contra inveja. (Assista aqui)
Léo Santos, adepto do candomblé, denomina as religiões de matriz africana como da oralidade. “Quando a gente perde isso, se torna o que está se tornando, esse espaço colonizado”.
Leia a entrevista completa abaixo:
Léo, o seu último vídeo viralizou e chamou muita atenção ao que discutimos sobre a apropriação. Para quem é leigo, como você explica o que tem de errado com a apresentação deste espaço religioso?
A princípio não há nada de errado em praticar sua fé de forma individual, porém devemos parar pra pensar como está sendo praticada essa fé, com quais fontes você aprendeu. Candomblé (assim como outras religiões) tem dogmas, regras, costumes, o erro do vídeo está na organização, no reflexo europeu que eles estão trazendo para uma religião de matriz africana.
Como isso afeta negativamente na imagem dos terreiros que mantém uma tradição oral de matriz africana ao longo de todos esses anos?
A oralidade vai se esvaindo dentro dessas modernidades, a ancestralidade passa a ser comercializada, imagine se os nossos ancestrais cobrassem para passar seus ensinamentos? Hoje em dia não teríamos o candomblé, pois em sua grande maioria são pessoas que não tem condições financeiras nenhuma, ou seja, não pagariam para adquirir aprendizado. Candomblé é oralidade, candomblé é troca de palavras, o que foge disso não é mais candomblé. Computadores, notebooks, ebós virtuais, são utensílios que não fazem parte da construção do candomblé.
Não só esse caso, mas tantos outros que estão nos afastando dos nossos Deuses, cada dia mais somos colocados a um quilômetro de distância de Orixá, e assim vamos nos afastando pela ganância, pela ousadia, pela modernidade, pela falta de tradição.
O site levando o nome de uma orixá é desrespeitoso às entidades e aos religiosos de matriz africana?
Em partes não. O erro desse sacerdote é chamar um espaço gourmet desses de casa de candomblé, terreiro de axé, quando na verdade parece um hotel, um espaço de estética, dentre os outros estabelecimentos que se assemelham. Podem dizer que é prosperidade, mas pra mim as coisas tem limites, Orixá não é isso. Existem casas maiores, com mais condições financeiras, porém entende que tudo existe tradição, limites, tudo é uma questão de senso. Quando a gente não tem simancol, e quando a gente deixa nosso senhor de engenho gritar mais do que nossos ancestrais, nosso espaço religioso vai ficando cada vez mais a cara da Europa, ao invés da África.
No próprio site, também há um vídeo antigo em que ele aparece no programa do Faustão ensinando simpatias contra a inveja e a fofoca. O que você achou dessa atitude em TV aberta?
As pessoas que não tem responsabilidades com a sua própria ancestralidade, gostam disso, de conhecer em um programa de TV, de mostrar um candomblé, uma fé que não existe, que traz o amor em 7 dias, ensina as pessoas a ficarem obcecadas achando que todos tem inveja delas, e aí essas pessoas vivem em pró de fazer trabalhos e limpezas espirituais toda hora, e assim só vão perdendo saúde mental, em pró de uma “melhora” que não irá acontecer.
Quem é de candomblé de verdade não precisa ir para televisão ensinar simpatia, ebó, feitiço, essas coisas gente ensina pessoalmente. Por isso que candomblé é a religião da oralidade, quando a gente perde isso, se torna o que está se tornando, esse espaço colonizado, cheio de senhores de engenho querendo roubar a todo modo a nossa tradição e transformá-la em casa grande.
|ATUALIZAÇÃO : Erramos! O Ilê Oxum Docô é uma casa de Batuque e não de Candomblé, como mencionado na entrevista. Entretanto, a crítica que o Léo Santos fez é em referência à todas as religiões de matriz africana. “Independente de ser batuque, tudo que vem dos nossos ancestrais pretos, não se parece com a Europa, somos pés no chão”|.
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