O acervo da filósofa, ativista e antropóloga mineira Lélia Gonzalez (1935-1994) permanecerá no Ilê da Oxum Apará, em Itaguaí (RJ). A decisão é do juiz Edison Ponte Burlamaqui, que rejeitou a ação movida por dois sobrinhos da escritora, Eliane de Almeida e Rubens de Lima. Os familiares buscavam transferir o material, guardado pela comunidade religiosa há 29 anos, para a Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A decisão, publicada nesta segunda-feira (16), reconheceu a prescrição do pedido de herança feito pelos familiares e destacou que o acervo foi doado ao terreiro pouco depois da morte de Lélia pela própria sobrinha Eliane. O juiz também ressaltou a importância histórica do material e determinou que os sobrinhos tenham acesso ao acervo para fins de consulta, desde que isso não cause danos ao patrimônio.
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O acervo é composto por itens como fotografias, imagens de manifestações e viagens, revistas, jornais, diários pessoais, uma máquina de datilografia, esculturas e coleções de vinis. O material tem sido utilizado para pesquisas acadêmicas, biografias e movimentos sociais que se inspiram na trajetória de Lélia, uma das intelectuais mais relevantes do movimento negro no Brasil. O advogado do terreiro, Hédio Silva Júnior, argumentou que os familiares estão motivados por interesses financeiros e apontou que Rubens registrou a marca “Lélia Gonzalez” no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) antes de ingressar com a ação.
Em sua decisão, o juiz ainda determinou que: “Diante da importância da obra produzida por Lélia Gonzalez, não se impede que o centro religioso permita o acesso ao acervo, a fim de garantir a preservação de sua memória e o desenvolvimento de pesquisas históricas e científicas”.
Os sobrinhos alegam que o acervo pertence à família e contestam a doação feita ao Ilê da Oxum Apará. “Ela [Lélia] tem família. Então eu errei”, disse Eliane em entrevista ao UOL em março deste ano. Procurado, Rubens afirmou: “Quero de volta o que é da família, o que é meu, só isso”. A FGV, citada no processo, reforçou que o acervo seria higienizado, preservado e digitalizado caso fosse transferido à fundação. A entidade vem ampliando a aquisição de arquivos de mulheres que atuaram no campo político e cultural.
Figura central do movimento negro no Brasil, Lélia Gonzalez foi uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado e do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN). A filósofa, que enfrentou o racismo estrutural desde cedo, se destacou ao trazer conceitos que conectaram as lutas antirracistas e feministas no país.
Sua importância foi destacada pela ativista norte-americana Angela Davis em 2019, durante uma visita ao Brasil. “Eu aprendo mais com Lélia Gonzalez do que vocês poderiam aprender comigo”, afirmou Davis. Nos anos 1970, Lélia foi monitorada pela ditadura militar, que a classificou como “subversiva”. Sua produção intelectual, marcada pela crítica ao racismo e pela valorização das culturas negras, continua sendo referência para acadêmicos e movimentos sociais no Brasil e no mundo.
Com informações do UOL.
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